DANIEL FILIPE
Daniel Damásio Ascensão Filipe - Poeta e jornalista de Cabo Verde. Nasceu Ilha de Boa Vista, a 01/02/25 e faleceu 06/04/64 . Fez os seus estudos liceais em Portugal e, mais tarde, foi co-diretor dos Cadernos "Notícias do Bloqueio", colaborador assíduo da Revista "Távola Redonda" e realizador, na Emissora Nacional, do Programa Literário "Voz do Império". Combateu a ditadura salazarista, sendo perseguido e torturado pela P.I.D.E.
Seu primeiro livro foi Missiva, publicado em 1946. O reconhecimento viria com A Ilha e a Solidão (1957), com o qual conquistou o Prêmio Camilo Pessanha.
Obras Publicadas:
Missiva (1946); Marinheiro em Terra (1949); O Viageiro Solitário (1951); Recado para a Amiga Distante (1956); A Ilha e a Solidão (1957); O Manuscrito na Garrafa (romance, 1960); A Invenção do Amor (1961) e Pátria, Lugar de Exílio (1963).
Morna
É já saudade a vela, além.
Serena, a música esvoaça
na tarde calma, plúmbea, baça,
onde a tristeza se contém.
Os pares deslizam embrulhados
de sonhos em dobras inefáveis.
(Ó deuses lúbricos, ousáveis
erguer, então, na tarde morta
a eterna ronda de pecados
que ia bater de porta em porta!)
E ao ritmo túmido do canto
na solidão rubra da messe,
deixo correr o sal e o pranto
— subtil e magoado encanto
que o rosto núbil me envelhece.
"in" A Ilha e a Solidão
Canto e Lamentação na Cidade Ocupada
9.
Mas há a noite. O estar sozinho
e no entanto acompanhado — servo de um deus estranho
cumprindo o ritual jamais completo.
Mas há o sono. A lúcida surpresa
de um mundo imaterial e necessário,
com praias onde o corpo se desprende.
Mas há o medo. Há sobretudo o medo.
Fel, rancor, desconhecido apelo,
suor nocturno, rápido suicídio.
(Texto enviado por Guida Burt). Página publicada em setembro de 2013.
ROMANCE DE TOMASINHO-CARA-FEIA
Farto de sol e de areia,
que é o mais que a terra dá,
Tomasinho-Cara-Feia
vai prá pesca da baleia.
Quem sabe se tornará?
Torne ou não torne, que tem?
Vai cumprir o seu destino.
Só nhá Fortuna, a mãe,
que é velha e não tem ninguém, chora pelo seu menino.
Torne ou não torne, que importa?
Vai ser igualzinho ao avô.
Não volta a bater-me à porta;
deixou para sempre a horta,
que a longa seca matou.
Tomasinho-Cara-Feia
(outro nome, quem lho dá?)
foi prá pesca da baleia.
— E nunca mais voltará.
NÃO FORA O GRITO...
Não fora o grito a faca
de súbito rasgando
a fronteira possível
Não fora o rosto o riso
a serena postura
do cadáver na praia
Não fora a flor a pétala
recortada em vermelho
o longínquo pregão
o retrato esquecido
o aroma da pólvora
a grade na janela
Não fora o cais a posse
do nocturno segredo
a víbora o polícia
o tiro o passaporte
a carta de Paris
a saudade da amante
Não fora o dente agudo
de nenhum crocodilo
Não fora o mar tão perto
Não fora haver traição
(A Invenção do Amor e outros poemas)
SALA DE ESTAR
Teu sonho tem a forma de um navio,
inesperadamente enraizado
entre pólipos, limos, rapazio
do cais abandonado.
Para a viagem que não há, arvora
o negro pavilhão das aventuras.
— Vê-lo-ás partir um dia, no remanso da aurora,
sereno recendo o vento nas amuras.
Onde irá naufragar? A que praia distante
irá fazer aguada num domingo de sol?
A que estranha paisagem a brisa do levante
o levará, talvez? A que pérfido atol?
(Entanto, só navio
na moldura da sala,
é quase o desafio
de quem conhece e cala.)
(Ibidem)
COMO AÇUCENA...
Como açucena, abre-se o teu rosto
por sobre a doce, tímida paisagem:
serena imagem
na manhã de Agosto.
Como magnólia, vertes o perfume
das tuas ancas sobre o pinheiral:
ávido lume,
casto e sensual.
Como pinho selvagem, te recebo
e amo no chão de areia ensolarado:
Ingénuo efebo
deslumbrado.
(Ibidem)
Página ampliada em janeiro de 2016. Página ampliada em setembro de 2016.
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