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MAURICIO GOMES

Mauricio Ferreira Rodrigues de Almeida Gomes — Nasceu enj Luanda, Angola, em 1920. Um dos primeiros poetas modernistas de Angola.

 

      EXORTAÇÃO

 

Ribeiro Couto e Manuel Bandeira,

poetas do Brasil,

do Brasil, nosso irmão,

disseram:

"— E preciso criar a poesia brasileira,
de versos quentes, fortes, como o Brasil,
sem macaquear a literatura lusíada".

Angola grita pela minha voz,
pedindo a seus filhos nova poesia!

Deixemos moldes arcaicos,

ponhamos de lado,

corajosamente,

suaves endeixas,

brandas queixas,

e cantemos a nossa terra

e toda a sua beleza.

Angola, grande promessa do futuro,
forte realidade do presente,
inspira novas idéias,
encerra ricos motivos

 

   E preciso inventar a poesia de Angola!

Fecho meus olhos e sonho,
abrindo de par em par o coração,
e vejo a projeção dum filme colorido
com tintas de fantasia e cenas de magia:

 

As imagens são paisagens, gentes, feras.
E sucedem-se lenta, lenta, lentamente...
Assisto maravilhado
no despenhar gemente

  das quedas d'água do Duque de Bragança...
  Vejo crescer florestas colossais
  no Maiombe*, onde o verde é símbolo
  de tanta esperança...

  Amboim fecundo, Amboim cafezeiro,
  de alcantis envoltos sempre em nevoeiro denso,
  como um fumo cheiroso
  do seu café gostoso,
  tão famoso no mundo...

  Deserto de Namibe a espreguiçar-se
  num bocejo mole,
  estendendo tentáculos de areia
  como povo gigante

 — visão alucinante, miragem
 no escrínio esquisito
 que aguarda avaramente
 a jóia mais horrivelmente linda|
 e única no mundo

 — a Welwitsshinia mirabilis*,
que em si encerra mistério tão profundo...

É preciso escrever a poesia de Angola!

Vejo anharas*** infindáveis
onde noivam no capim,
|pelo amor amansadas,
feras bravas, indomáveis...
Vejo lagos de safira,
tão calmos
como olhos ternos,
chorosos,

de tímidas gazelas... 

     E terras rendilhadas do litoral,
     secas, rugosas, escalvadas,
     onde reina o imbondeiro****
     gitantesco Prometeu agrilhoado,
     visão estranha, infernal, horrenda,
     verde pálido, branco, cinzento,
     lembrando líquen mágico, colossal...

     Baías, cabos, estuários,
     praias morenas,
     mares verdes, mares azuis,
     e rios de aspecto inofensivo
     mas cheios de jacarés...

     Terras de mandioca e batata doce,
     campos de sisal, minas e metais,
     goiabeiras, palmeiras, cajueiros,
     areais imensos, cheios de diamantes,
     chuvadas torrenciais,

     filas tristes de negros carregadores gemendo...
     cantando tristemente seus cantares...
     planaltos, montanhas e fogueiras,
     feiticeiros dançando loucamente:
     Angola é grande e rica e vária.

          E preciso criar a poesia de Angola!

     Terra enorme onde o inseto impera:
     mosquito da febre e mosca tzé-tzé,
     cobrindo tudo de sono.

     Olhai o senhor arquiteto Salalé*****,
     tão pequenino, tão teimoso e diligente...
     Como ele projeta e constrói castelos,
     milhões de vezes maiores que ele é,
     para vergonha nossa,

     que pouco fazemos
     presos de fútil, preguiçoso dandismo... 

     Encostai o ouvido atento
     ao coração do povo negro,
     escutareis, só vós, poetas da minha terra,
     que estais por nascer,
     aquilo que para outros é segredo defeso,
     mistério da esf íngica, malsinada alma negra.
     Criai ânimo, ganhai alento,
     e vibrantemente cantai a nossa terra! 

           É preciso forjar a poesia de Angola!

     Essa nova poesia
     será vasada em forma candente
     sem limites nem peias,
     diferente!...

     Mas onde estão os filhos de Angola,
     se os não oiço cantar e exaltar
     tanta beleza e tanta tristeza,
     tanta dor e tanta ânsia
     desta terra e desta gente?

     Essa nova poesia,
     forte, terna, nova e bela,
     amálgama de lágrimas e sangue,
     sublimação de muito sofrimento,
     afirmação duma certeza.
 

     Poesia inconformista,
     diferente,

     será revolucionária,
     como arte literária,
     desprezando regras estabelecidas,
     idéias feitas, pieguices, transcedências...

     Poesia nossa, única, inconfundível,
     diferente,
     quente, que lembre o nosso sol,
     suave, lembrando nosso luar...
     que cheire o cheiro do mato,
     tenha as cores do nosso céu,
     o nervosismo do nosso mar,
     o paroxismo das queimadas,
     o cantar das nossas aves,
     rugir de feras, gritos de negros,
     gritos de há muitos anos,
     de escravos, de engenhos das roças,
     no espaço vibrando, vibrando...

     Sons magoados, tristíssimos, enervantes,
     de quissanges e marimbas...
     versos que encerrem e expliquem
     todo o mistério desta terra,
     versos nossos, húmidos, diferentes,
     que, quando recitados,
     nos façam reviver o drama negro
     e suavizem corações,
     iluminem consciências,
     e evoquem paisagens
     e mostrem caminhos,
     rumos, auroras...
 

     Uma poesia nossa, nossa, nossa!
      — cântico, reza, salmo, sinfonia,
     que uma vez cantada,
     rezada,
     escutada,

     faça toda a gente sentir
     faça toda a gente dizer:
 

É poesia de Angola!

 

 

Maiombe - grande floresta tropical localizada em Cabinda.
**Welwitsshnia mirabilis    planta carnívora africana
*** anharas planícies
**** Imbondeiro - árvore de grande porte (baobá).
*****  Salalé — cupim.

 

 


 

 

 
 
 
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