Foto e biografia: http://anibaljosematos.blogspot.com/
GRAÇA MAGALHÃES
Graça Magalhães nasceu em Angola a 29 de Agosto de 1963, residindo actualmente em Viseu. Publicou os seguintes livros de poemas: “Corpo de Rio”, “Na Memória dos Pássaros”, e “Lavrar no Corpo das Algas”.
É colaboradora em antologias e revistas literárias como “Palavras de Vento” e de “Pedra e Oficina de Poesia”.
JÁ NÃO SEI
Já não sei ouvir só pelos caminhos
porque já não sei existir acordada
percorro os lugares da memória
condensando desejos de claridade matinal
a primavera morreu no olhar dos frutos
a madrugada acende os gritos na ausência
das palavras de riso
de amoras em campos de milho
palavras de água e de cio
se não as vejo imagino-as
e já não sou eu a colher a polpa das sílabas
as letras desenhando limos no fundo dos anéis.
Trouxeste a Primavera num cesto vermelho.
Abriste-a de aromas para me escolheres.
para me amares devagar porque sou o que não ficou.
NOITES QUE CAEM
Assemelha-se a um corpo de amoras
As noites que caem depressa
Trazem um astro cravado
Na meteórica tentação
A luz pura entre as ancas
Um caminho de bosques
Ardente um tempo de solidão
Trazem o fundo dos gritos
Que os anjos cobrem de noite
A harmonia das mãos
A oeste de corpo
O treino das águias
Que acordam o sono
A iluminar
A imensidão desconhecida
Inquieta de um rio
A escurecer devagar
O SILÊNCIO DESPIDO
Naquele tempo
os dias não eram meus
era inteira em pés de violeta
desfolhando risos ao sul dos pássaros.
corriam asteroides amarelos
sóis a enfeitar o peito
cosendo vértices de areia
planeando o vento nas dunas
os campos floridos e silvestres
era um tempo de espanta espíritos
e aspirinas doces de dormir
pequenas praias se abriam
pequenos moinhos a florescer o vento.
Não escravizei o infinito das galáxias
os suspiros roxos da luz
a colher os negros anéis de Saturno.
Hoje trago o silêncio despido
um acordeão atropelado
a febre tifoide dos malfeitores da alma.
Página publicada em março de 2020
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