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ANTONIO CARDOSO
(1933-2006)

 

 

António Mendes Cardoso (8 de Abril de 1933) é um escritor angolano.

Colaborou na revista Mensagem, embora seja mais conhecido pela sua colaboração com a revista Cultura II, onde fez parte do corpo redactorial. Por causa das suas ideologias e da linha temática que sempre seguiu, foi preso várias vezes, em Luanda, e no Campo de Concentração do Tarrafal (em Cabo Verde).

 

Após a independência de Angola, exerceu funções superiores na Rádio Nacional, na Secretaria de Estado da Cultura e na União dos Escritórios de Angola, é ainda citado em várias Antologias de Língua Portuguesa e de outros países da Europa.

 

Poemas de Circunstância, obra de estréia de António Cardoso no mundo literário angolano, em 1962, reúne os primeiros textos do autor. Faleceu em 26-06-2006

 

 

DRAMA NA CELA DISCIPLINAR

 

A aranha monstruosa está com apepsia:

Dou-lhe a aprazada mosca sempre a hora habitual,

Mas não galga o violino como já fazia,

Solerte, amarela e negro, para a fatal

Deglutição. E só já reage à terceira

Fumarada do meu cigarro. Enfim, zangada:

Não me lembrei ver se aquela insulsa rameira,

Já tonta, que lhe dei, estaria tocada

Pelo insecticida de horas antes. Farricoco

De moscardos a boa vida ou domador

Falhado, restam-me as paredes e eu — oco

No cerne — estes fonemas a doer, o calor

E o frio; a loucura, os janízaros bem pouco

Amigos, a colite, os versos sem valor...


 

"ABANDONO VIGIADO"

 

Ler O'Neill

Aqui na prisão,

É como cuspir na careca dum burguês

(Francês, português ou angolês,

Tanto fez ou faz...)

Empanturrado de consideração...

Portanto, meu rapaz,

Desculpa a sem cerimónia,

E puxa-me da cachimónia,

0 sumo de limão

Do verso que te apraz...


MAGO

Chispa uma estrela
No isqueiro
— Camarada rotineiro
De sonho avulso e barato
Na minha cela —
E por um segundo,
Sou o mago, insulso,
Aziago e pacato,
Que neste dia amargo
Crispa na mão fechada
A mais bela e amada
Estrela do mundo...

 

EXÍLIO

Eu vivo na minha terra
Mas estou exilado.
Quem vive nela não sou eu
Mas outro que em mim vive.

A minha terra está por vir
E o meu outro ser vive, vive...
...vive à espera desse porvir

in Poemas de Circunstância (2003) 

De
António Cardoso
21 poemas da cadeia.
 Luanda: União dos Escritores Angolanos, 1979. 
 30 p   ( Cadernos lavra & oficina, 16 )

 

O MAR VISTO DA CADEIA

 

O mar é largo

E profundo.

Tão largo e profundo,

Que cabe todo inteiro

E amargo, no fundo

Do simples olhar que lhe deito ...

 

Estendido e liso,

Refeito como um ventre de mulher

Apetecido sem aviso,

Já teve sereias e monstros,

Ossos a apodrecer,

Para ser, agora,

De um qualquer ...

 

Desencanto a apodrecer-

-me  o canto, nesta hora?

— Só se for nas areias

Onde morre monótono,

E nas marés-cheias

De tanto luar e espanto

Na memoria...

 

Já o tive

Insatisfeito,

Na cova da mão,

No búzio dos ouvidos,

E no sonho que ainda vive

De urna doce ilusão ...

 

Inventei-lhe

Desaparecidos ecos,

Talvez reinos perdidos,

Tesouros, conchas,

Algas e palácios

Encantados de mouros ...

 

Depois ficou só mar

Vulgar, indigesto,

Azul, verde, prateado,

«Grande ... grande ... »,

Com o resto afogado

No coração ...

 

Chegou então a hora

Do mar lúcido

Sem papão,

Apreendido,

Económico,

Assassino, embora,

Mas também elo de ligação

 

                   23/4/71

 

 

 

Página publicada em setembro de 2009. ampliada e repuvblicada em junho de 2011.

 


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