ALEXANDRE DÁSKALOS
(Nova Lisboa, 1924- Caramulo, 1961). Poeta.
Obras publicadas: Poemas (1961), Poesias (1961).
CARTA
Jesus Cristo Jesus Cristo
Jesus Cristo, meu irmão
Sou fio dos pais da terra
Tenho corpo pra sofrer
Boca para gritar
E comer o que comer
Os meus pés que vão
No chão
Minhas mãos são de trabalho
Em coisas que eu não sei
E não tenho nem apalpo
Trabalho que fica feito
Para o branco me dizer
"Obra de preto sem jeito"
E minha cubata ficou
Aberta à chuva e ao vento
Vivo ali tão nu e pobre
Magrinho como o pirão
Meus fio salta na rua
Joga o rapa sai ladrão
Preto ladrão sem imposto
Leva porrada nas mão
Vai na rusga trabalhar
Se é da terra vai pro mar
Larga a lavra deixa os bois
Morrem os bois... e depois?
Se é caçador de palancas
Se é caçador de Leão
Isso não faz mal nenhum
Lança as redes no mar
Não sai leão sai atum...
Jesus Cristo Jesus Cristo
Jesus Cristo, meu irmão
Sou fio dos pais da terra
Um pouco de coração
De coração e perdão
Jesus Cristo, meu irmão.
QUE É S.TOMÉ
Quatro anos de contrato
com vinte anos de roça.
Cabelo rapado.
Blusa de branco
dinheiro no bolso
calção e boné
Eu fui S.Tomé!
Calção e boné
boné e calção
cabelo rapado
dinheiro na mão...
Agora então volto,
mas volto outra vez
à terra que é nossa.
Acabou-se o contrato
dos anos de roça
Eu vi S.Tomé!
Cuidado com o branco
que anda por lá...
Não sejas roubado,
cuidado! Cuidado!
Dinheiro de roça
ganhaste-o, té dá
galinhas ... e bois ...
e terras ... depois
Já tiras de graça
o milho da fubá
o leite, a ginguba
e bebes cachaça.
Eh! Vai descansado,
dinheiro guardado
no bolso da blusa.
Que é S.Tomé!
Cabelo rapado.
Blusa de branco
dinheiro no bolso
calção e boné
II
Este mente, aquele mente
outro mente ... tudo igual.
O sítio da minha embala
aonde fica afinal?
A terra que é nossa cheira
e pelo cheiro se sente
A minha boca não fala
a língua da minha gente.
Com vinte anos de contrato
nas roças de S. Tomé
só fiz quatro.
Voltei à terra que é minha
É minha? É ou não é?
Vai a rusga, passa a rusga
em noites de fim do mundo.
Quem não ficou apanhado!
Vai o sono, vem o sono
Vai ó sono
quero ficar acordado.
No meio da outra gente
lá ia naquela corda
mas, acordei de repente.
Quero ficar acordado.
Onde está o meu dinheiro,
onde está o meu calção,
meu calção e meu boné?
O meu dinheiro arranjado
nas roças de S. Tomé?
Vou comprar com o dinheiro
sagrado da minha mão
tudo quanto a gente come:
trinta vacas de fome,
galinhas ... de papelão
Vou trabalhar nesta lavra
em terra que dizem nossa
quatro anos de contrato
em vinte anos de roça
Eu fui S.Tomé!
Cabelo rapado
blusa de branco
dinheiro no bolso
calção e boné
Página publicada em março de 2009.
|