Os contos do oxímoro Antonio Miranda
Camilo Mota
O professor Antonio Miranda, membro vitalício da Academia de Letras do Distrito Federal, no prefácio a seu livro "Perversos" (Brasília, Thesaurus, 2003) se autodefine como um oximoro, uma figura de linguagem que se caracteriza pela convivência dos contrários. Se assim o é nos versos, o mesmo também sobressai em sua estréia na ficção: A senhora diretora e outros contos (Brasília, Thesaurus, 2003). Logo nas três primeiras histórias, o autor faz da relação marcuseana entre Eros e Tanathos uma constante nas narrativas. Assim, "Caiu de boca", "A senhora diretora" e "Na berlinda" mostram seus personagens enredados pelo monstro terrificante da burocracia (Tanathos), mas ao mesmo tempo a saída para o conflito é apresentada pela sexualidade (Eros), tratada aqui em toda sua variante, seja pelo lado libertador, seja pelo lado destruidor.
O autor também passeia pela angústia humana, como no conto "Diário e desvario", em que deixa um pouco de lado a narrativa mais linear, para soltar as amarras da consciência (ou da falta dela) do personagem Afonso. E brinca com o leitor em "O enterro do cachorro", onde uma história é contada com requintes de humanismo (e com um certo rancor pela raça humana, em certo sentido), e no final deixa ao leitor o sarcasmo do narrador ao revelar o caráter ilusório de toda obra de ficção. E esse paroxismo é o que também aparece em "O poeta no espelho", em que a narrativa se transforma numa resenha literária, e esta se volta sobre si mesma tornando-se novamente ficção.
Se na poesia, Antonio Miranda vem se destacando há anos, conquistando admiradores e inimigos, o mesmo certamente ocorrerá na ficção. Esperamos que mais admiradores, é verdade, pois este A senhora diretora mostra que o autor tem muito ainda em sua bagagem para compartilhar conosco.
Para maiores informações sobre este e outros lançamentos da editora, o leitor pode acessar o endereço www.thesaurus.com.br.
Publicado no jornal Poiésis Literatura, pensamento e arte, ano 10, n.94, janeiro de 2004, p.13.
INTRIGA, PAIXÃO E SEXO
Anderson Braga Horta
Antonio Miranda ingressou no mundo das letras como poeta. O grande êxito alcançado por uma obra em versos aliados à dramaturgia, os poemas cênicos de Tu País Está Feliz, em Caracas, há cerca de 35 anos, o confirmou nesse roteiro. Mas não o confinou nele. Maranhense por nascimento, homem do mundo por vocação, com trânsito principalmente pela América Latina, expressa a sua criatividade também como escultor, além de praticar a crítica de arte e literatura. Na condição de escritor, tem cultivado o romance, a crônica e o ensaio. Seu recente Horizonte Cerrado é classificado pelo professor e crítico literário Danilo Lôbo como novela. Assim, não é surpresa a sua desenvoltura na arte do conto (em que, aliás, estreou quase simultaneamente à edição dos primeiros volumes de versos, com La Fuga: Anticuento, ainda na capital venezuelana, em 1969).
As três primeiras histórias de A Senhora Diretora desenrolam-se no âmbito de repartições ligadas ao livro —bibliotecas, fundações de fins culturais— e suas personagens são bibliotecários, professores, assessores. Ambiência e gente que Miranda, bibliotecônomo, mestre em Ciência da Informação, doutor em Comunicação, conhece como poucos. Conhece e valoriza. Sabendo, entretanto, que, além de questões culturais stricto sensu, ali se desenvolve um caldo de cultura propício à germinação de fofocas, desinteligências, paixões, a que não falta o tempero picante ou escandaloso ou patético do sexo. (À semelhança, de resto, do que ocorre noutros ambientes em que se concentram exemplares da fauna humana.)
Mas o livro não é monocórdio. Variam os ambientes. Varia o tipo e a extração das personagens. Há o conto que imprecisamente rotularíamos kafkiano, focalizando certa burocracia incompetente e desrespeitosa, fruto do nosso baixo nível de educação; o conto psicológico; o conto-meditação, o conto-quase-ensaio; o conto-tragédia. O mais belo será, talvez, “Atemporal” — resgate de situação feliz perdida nos idos da juventude. Rivaliza com ele “Memórias de Adolescente ou As Confissões do Absurdo”, sobre as incertezas e os descobrimentos da iniciação sexual, com destaque para as variações biolingüísticas do Autor a partir do verbo —de sua invenção— aindar. O penúltimo, “Happy Hour, Happy End”, é um mélange curioso e fantástico das histórias anteriores. Funciona como fecho, pois o último conto, “Memória da Pele”, é, embora isso não se explicite, reclame do próximo livro, que se prefigura da qualidade deste — forte e ressumante de vida. |