nova
poesia:
concreta
[1956]
Décio Pignatari
o verso: crise, obriga o leitor de manchetes (simultaneidade) a uma atitude postiça, não consegue libertar-se dos liames lógicos da linguagem: ao tentar fazê-lo, discursa adjetivos. não dá mais conta do espaço como condição de uma nova realidade rítmica, utilizando-o apenas como veículo passivo, lombar, e não como elemento relacional de estrutura, antieconômico, não se concentra, não se comunica rapidamente, destruiu-se na dialética da necessidade e do uso históricos, esse é apenas o golpe de misericórdia da consciência crítica: o primeiro já foi dado, de fato, por mallarmé, 60 anos atrás - § un coup de dés§.
américa do sul améríca do sol américa do sal
oswald de andrade
uma arte geral da linguagem, propaganda, imprensa, rádio, televisão, cinema, uma arte popular.
a importância do olho na comunicação mais rápida: desde os anúncios luminosos até as histórias em quadrinhos, a necessidade do movimento, a estrutura dinâmica, o ideograma como idéia básica.
esto visibile parlare, novello a noi perche qui non si trova.
dante, purg., x, 95
contra a poesia de expressão, subjetiva. por uma poesia de criação, objetiva. concreta, substantiva, a idéia dos inventores, de ezra pound.
o livro de ideogramas como um objeto poético, produto industrial de consumação, feito à máquina, a colaboração das artes visuais, artes gráficas, tipográficas, a série dodecafônica (anton webern) e a música eletrônica (boulez, stockhausen). o cinema, pontos de referência.
a rose is a rose is a rose is a rose
gertrude stein
com a revolução industrial, a palavra começou a descolar-se do objeto a que se referia, alienou-se, tornou-se objeto qualitativamente diferente, quis ser a palavra § flor § sem a flor. e desintegrou-se ela mesma, atomizou-se (joyce, cummings). a poesia concreta realiza a síntese crítica, isomórfica: § jarro § é a palavra jarro e também jarro mesmo enquanto conteúdo, isto é, enquanto objeto designado, a palavra jarro é a coisa da coisa, o jarro do jarro, como § la mer dans la mer§. isomorfismo.
o elevador subiu aos céus, ao nono andar, o elevador desce ao subsolo, termómetro das ambições, o açúcar sobe.
o café sobe.
os fazendeiros vêm do lar.
mário de andrade
a poesia concreta acaba com o símbolo, o mito. com o mistério, o mais lúcido trabalho intelectual para a intuição mais clara, acabar com as alusões, com os formalismos nirvânicos da poesia pura. a beleza ativa, não para a contemplação, para nutrir o impulso, pound. no máximo: ser raro e claro, como disse o último fernando pessoa, criar problemas justos e resolvê-los em termos de linguagem sensível.
o olhouvido ouvê.
tática: joyce, cummings, apollinaire (como visão, não como realização),
morgenstern, kurt schwitters. estratégia: mallarmé, pound
(junto com fenollosa, o ideograma).
parean 1'occhiaie anella sanza gemme:
chi nel viso delli uomini legge OMO
ben avria quivi conosciuta l'emme.
dante, purg., xxiii, 31
o oco dos olhos como anel sem gema:
quem julga ler, no rosto humano, OMO
aqui veria facilmente o eme.
a técnica de manchetes e §un coup de dés§. calder e §un coup de dés§. mondrian, a arquitetura, e joão cabral de melo neto. joyce e o cinema, eisenstein e o ideograma, cummings e paul klee. webern e augusto de campos, a psicologia da gestalt.
§o pensamento poético é essencialmente figurado, ele nos põe sob os olhos não a essência abstrata dos objetos, mas sua realidade concreta.§ hegel.
ideograma crítico nacional:
(títulos de livros praia oculta
de poemas publi- claro enigma
cados nos últimos narciso cego
seis anos) a obscura efígie
o poema forma e conteúdo de si mesmo, o poema é. a idéia-emoção é parte integrante da forma, vice-versa. ritmo: força relacional.
renunciando à disputa do absoluto, ficamos no campo magnético do relativo perene, a eronomicrometragem do acaso, o controle, a cibernética, a escolha simplesmente humana de uma palavra, ponto-evento. o fim do claro-escuro, dos botões da sensibilidade apertados na penumbra, o ideograma regulando-se a si mesmo, feedback, produzindo novas emoções e novo conhecimento.
nádegas de cristal, órrosa. o jargão lírico do pós-guerra. vegetativo, reacionário. joão cabral não fez outra coisa senão combater, didático, lúcido,
todas as fluidas
flores da pressa;
todas as úmidas
flores do sonho.
fundar uma tradição do rigor, volpi. para que o artista brasileiro não decaia depois dos 40. a presente exposição: quase didática. transição do verso ao ideograma.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Publicado originalmente na revista ad arquitetura e decoração, número 20. São Paulo, novembro/dezembro de 1956; republicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 de maio de 1957.
Texto extraído do livro
poesia concreta o projeto verbivocovisual. / organização João Bandira – Lenora de
Barros / São Paulo: Artemeios, 2008. 256 p. ilus. col. 23x30 cm. Patrocinio: PETROBRAS.
Inclui um CD. Apoio Ministerio da Cultura.
|