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Foto: http://www.cafecolombo.com.br/

NERY, DORMINDO PROFUNDAMENTE...

 

ELMIRA SIMEÃO
Faculdade de Ciência da Informação,
Universidade de Brasília


Além de grande admirador dos poemas e da obra de Manuel Bandeira, Edson Nery, entre outras atividades literárias, publicou o livro “Estão todos dormindo...”, onde, inspirado por Manuel Bandeira, narra a vida e a morte de grandes amigos.

Nery admirava Bandeira e a ele dedicou muito de seu tempo e estudos.

Inúmeras vezes recebeu os amigos saudando-os com poemas e recordando fatos realmente memoráveis, na sua experiência de vida, como profissional e amigo afetuoso...

Nas informações sobre o livro “Estão todos dormindo...”, a Companhia Editora de Pernambuco descreve:

“Estão todos dormindo" é uma coletânea de perfis de personalidades marcantes da cultura brasileira nos quais Edson Nery da Fonseca mescla informações precisas com citações literárias e testemunho pessoal, numa prosa límpida, elegante e tão envolvente que transforma o leitor em cúmplice do que narra...”.

Eram companheiros de uma geração brilhante, transformados em capítulos de uma narrativa impecável. Figuras responsáveis por grandes momentos da vida e da produção intelectual brasileira ...

Todos mortos, dormindo profundamente, como ele agora em sono eterno.

Para quem o conheceu, Nery não escondia a admiração por Bandeira e sua inspiração sintonizada com os dilemas e amarguras do poeta. Não há como pensar que sua morte em plena celebração das festas juninas, não se configure na lembrança do poema de Bandeira:

...Onde estavam os que há pouco Dançavam Cantavam

E riam Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo Estavam todos deitados Dormindo Profundamente.

Bandeira brinca com o denotativo e conotativo do vocabulário ao falar da morte. É uma linguagem simples, quase lúdica, e o cenário é a contagiante festa junina, palco de muitas fogueiras pelo Brasil afora. Bandeira entre bandeiras nos faz lembrar nosso saudoso amigo, que partiu na véspera de um 24 de junho, dia de São João.

Falaram em proSa e verso, os dois, profundamente, e com a sutileza que somente as mentes mais privilegiadas podem alcançar. Pontuaram questões tão profundas e que, mesmo corriqueiras, nos atingem sorrateiramente, como a perda de alguém querido, nossa condição humana, a vida e sua descoberta e, finalmente a morte como entidade inevitável.

Por e-mail (na mensagem de uma amiga) e nos jornais lí a simplicidade dos últimos pedidos:

— Ser velado em sua casa - Ter missa de corpo presente no Mosteiro de São Bento - Ser enterrado com as mãos estendidas - Não ter flores no seu caixão nem as detestáveis coroas. - Ser enterrado no Cemitério dos Ingleses.

Não quis velas ou flores. Repousou elegante onde queria. Seu corpo descansa ao lado da avó no cemitério dos ingleses. Nada de cenas. Nery mostra em ultimo desejo o que o que se deve desejar na vida: coisas simples, humildade, gestos generosos e compaixão. A morte nunca foi temida, apenas esperada com uma curiosidade que previa o desfecho inevitável. Companheiros de outros tempos poderão agora acordá-lo em feliz reencontro?

Estamos tristes, em luto, perdemos o mestre e amigo. Depois de meses de espera, finalmente descansa. Foram dias de angustia, vividos corajosamente e enfrentados com uma lucidez que já não se vê mais.

Dormiu profundamente em meio a balões e bandeiras, aos pés de fogueiras acesas nas festas de junho de Olinda.

Com Bandeira e muita saudade, lembramos do mestre que partiu...

 

Profundamente(*)

De: Manuel Bandeira

Quando ontem adormeci
Na noite de São João Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos

Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões Passavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.

Onde estavam os que há pouco Dançavam Cantavam E riam Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo Profundamente.

*

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô Totônio Rodrigues

Tomásia Rosa

Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo Estão todos deitados

Dormindo Profundamente.

(*) Texto extraído do livro "Antologia Poética - Manuel Bandeira", Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 2001, pág. 81. Manuel Bandeira: sua vida e sua obra estão em "Biografias".

 

 

 

 

 

 
 
 
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