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ITINERÁRIO DE JORGE DE LIMA

Por CARLOS DANTE DE MORAES

 

Extraído de

MORAES, Carlos Dante de.  Três fases da poesia.  Rio de Janeiro: Ministério da Educação e  Cultura, Serviço de Documentação, s.d.  154 p.  (Os Cadernos de Cultura, n. 122)  Exemplar autografado pelo autor  em 1953.  Ex. bibl. part. Antonio Miranda  (p. 115 – 123:)


         O ITINERÁRIO poético de Jorge de Lima nos mostra as principais etapas percorridas pela poesia brasileira neste século. Ainda menino, começa a compor sonetos de lavor parnasiano, poesia temática e conceituosa, que ele aperfeiçoa e requinta, à medida que entra na juventude. Mas o grande acontecimento de sua vida interior, antes do retorno à crença, terá sido o modernismo. A atmosfera moral e estética propiciada por aquele movimento, foi-lhe sumamente fecunda e estimulante. Não que ele se nos apresente, nesta fase, como um poeta totalmente original. A "intenção" brasileira que impelia esses poetas, numa vasta colheita de matéria-prima através da nacionalidade, criou atitudes, modos de ver e expressões que se generalizaram. Houve influências mútuas que se propagaram espontaneamente, modulações comuns ante um problema artístico que a eles se oferecia mais ou menos idêntico, sem abafar-lhes o surto da personalidade. É assim que, a certos trechos, nos poemas nordestinos de Jorge de Lima, nós deparamos reminiscências e sugestões de outros corifeus do modernismo, sem falar de outras mais remotas, como as de Antônio Nobre por exemplo.  Nenhum, porém, terá sido tão legítima e tão fortemente poeta quanto ele. Quem escreveu "Pai João", "Mundo do Menino Impossível", "Democracia", "Meninice", "G. W. B. R.", "A Voz da Igrejinha", "Inverno", "Poema de Duas Mãozinhas", "Madorna de Iaiá", "Xangô", "Essa Nêga Fulô", "Arranha-céu", "Banguê", "Janaina", "Ancila Negra", "Olá i Negro", colocou-se sem dúvida num alto nível de realização, quanto à forma e ao conteúdo, nessa poesia nordestina, local por seus aspectos imediatos, mas de timbre humano e universal.

         Levado por aquela vontade ardida criada pelo modernismo, de identificar-se com a realidade brasileira, de apreendê-la sem disfarces em suas feições nativas, Jorge de Lima sentiu à volta de si e dentro de si mesmo a "presença" dessa prodigiosa terra do Nordeste. Adeus poesia temática, linhas clássicas ou académicas! Tudo o que ela lhe mostrava de instintivo, de pegajoso, de bárbaro, de erótico, de caricioso ou áspero, subiu-lhe pela vista, pelo olfato, pelo tato, pelas devezas da memória e da saudade, por todas as vias da sensibilidade e da inteligência, atiçando a imaginação indormida. Tal como ocorreu a outros aedos do modernismo, a poesia nordestina de Jorge de Lima opera, em parte, essa identificação afetiva com a terra e as gentes, por intermédio do retorno à infância. É assim que ele se revê em "Democracia", de que citamos um trecho, recordando os elementos que lhe afeiçoaram os instintos e a alma ingênua de criança, numa atmosfera fantasmagórica povoada de crendices e abusões ameríndias e afro-brasileiras...

 "Genipapo coloriu o meu corpo contra os maus olhados,
catecismo me ensinou a abraçar os hóspedes.

carumã me alimentou quando eu era criança,

Mãe-negra me contou histórias de bicho,

moleque me ensinou safadezas,

massoca, tapioca, pipoca, tudo comi,

bebi cachaça com caju para limpar-me,

tive maleita, catapora e ínguas,

bicho-de-pé, saudade, poesia;

fiquei aluado, mal-assombrado, tocando maracá,

dizendo coisas, brincando com as crioulas.

vendo espíritos, abusões, mães-d'água,

conversando com os malucos, conversando sozinho..."

    

   É um mundo que a poesia anterior, preocupada de evocações mitológicas e assuntos grandiloqiientes, deixara soterrado na mente dos brasileiros. Reentrando em si mesmo, para confabular com as lembranças remo­tas, o poeta do mesmo passo espraia-se em simpatia, abrangendo com ternura e sensualidade as plantas, os bichos, as terras de massapé, as pessoas de cor, as devoções, as crendices, toda uma psique popular tecida em condições históricas e locais inconfundíveis. Sem embargo da "intenção" brasileira dominante, nós sentimos nas páginas dos "Poemas", "Novos Poemas", "Poemas Escolhidos" e, sobretudo, "Poemas Negros", a carna-lidade e a tepidez de uma redescoberta, o reencontro de alguma coisa fundamente entranhada no próprio ser do poeta. Apossado dessa riqueza, primacialmente física, sensorial e emotiva, de que faz gostoso inventário, é que ele se dirige irônico ao clássico e camoniano Santa Rita Durão...

 

"Mas teu Brasil, CARAMURU, não tem sertão,

nem sul, nem norte, nem no teu mato

há catolé, oiticoró, cabaço de marimba, barbatimão!

 

Nas tuas roças não tem banana-samburá,

não tem mandioca-gomo-roxo, não tem feijão mulatinho,

não tem nada, Sêo Durão!"

Consequência dessa fraternidade telúrica, envolvendo os seres animados e os inanimados, é, em primeiro lugar, a dor de ver deformada, pelo dinamismo industrial da civilização, uma paisagem física e moral que se entranhou em sua espiritualidade. Daí o sentimento antiianque de "Banguê", em que a usina forte e poderosa, mas triste "como uma igreja sem sino" ou um "templo evangélico", destrói e elimina a rude alegria da faina de outrora. A mesma aflição perpassa no "Poema à Pátria", prefigurando um Brasil "toda América, irremediàvelmente gêmeo, irremediavelmente comum". Mais incisivo, porém, é "Arranha-céu", em que o "Campeão mundial de misticismo", depois de atingir o centésimo andar do imenso edificio, onde se aninham todos os ases da padronização, é tomado subitamente dêste pavor:

"No derradeiro parou:
Nem um anjo.
Então desceu,
desceu.

      Desceu
e atravessou o asfalto
com um medo danado
de morrer sem confissão
debaixo dos autos."

         Outra consequência foi a eclosão da piedade pelos infelizes, pelos desgraçados, criaturas simples que gemem sob o peso do trabalho duro e desumano, mas se conformam passivas, no seu fatalismo, incapazes de ódio e revolta. Em o "Filho pródigo" e "Mulher proletária", a sua poesia é pungente e assume um tom nitidamente reclamatório. Mas escutai este lamento de "Poema relativo":

      "Todos os homens têm seus crentes
ó bem-amada:
— os que pregam o amor ao próximo
e os que pregam a morte dele.

        Mas tudo é pequeno
e ligeiro no mundo, ó amada.
Só o clamor dos desgraçados
é cada vez mais imenso!"

         Nessa diretriz, o lugar principal cabe ao negro. Não sabemos se, em outro poeta da América, terão encontrado a mesma ressonância emotiva, a humildade, a resignação, a bondade congénita, a alegria milagreira, a magia anímica, a graça dengosa e a sensualidade da raça preta. "Poemas negros" são um remate consumado, sob todos os aspectos, dos poemas nordestinos. Sem medo de errar, pode-se dizer que, entre nós, Jorge de Lima, excede de muito o Guilherme de "Raça" e o Bopp de "Urucungo". Confrontados com ele, nesse terreno, os últimos nos dão a impressão de virtuoses, de hábeis artífices. Em Jorge de Lima, a piedade pelo negro, que se amplia em reivindicação social no "Olá! Negro" e outras passagens, se prende a um emaranhado de sensações, instintos e sentimentos que se afundam nas reminiscências da infância. Aqui a simpatia nos aparece sob uma forte coloração erótica, estreitamente associada ao fascínio exótico das criaturas de cabelo pixaim e epiderme negra e lisa. Vêde esta confissão de "Ancila Negra", realçada pelo sintomático verbo "recalcar". 

      "Há muita coisa a recalcar,
Celidônia, ó linda moleca ioruba
que embalou minha rede,
me acompanhou para a escola
me contou histórias de bichos
quando eu era pequeno,
muito pequeno mesmo.

        Há muita coisa ainda a recalcar:
as tuas mãos negras me alisando,
os teus lábios roxos me bubuiando
quando eu era pequeno
muito pequeno mesmo
."

         Por fim, o reencontro das crenças da infância, ou, pelo menos, o desejo de voltar a crer com a segurança do menino.   Esse devocionismo fraternal do Nordeste, de padres milagreiros, de invocação e promessa aos oragos, de santos padrinhos de meninos e moleques, de profissões coloridas e festas barulhentas, de sincretismo religioso em que se acomodam as tradições lusas e as crendices africanas, desvenda-lhe, ao evocá-lo, uma como que bem-aventurança perdida, na ingenuidade das origens, e que só se pode recuperar, na idade adulta, na dilaceração, sofrendo e pensando. 

"Padre Nosso que estais no Céu,

perdi meu credo que tu me deste.

Eu era menino: "Creio em Deus Padre..."

Que força me dava a tua oração!

Santa Maria, mãe de Jesus,

perdi as armas que Deus me deu!"

 

         A terra milagreira do Nordeste conduziu o poeta ao limiar de outro país, em que a fé reconquistada vai reflorir em novas formas estéticas.

 



 
 
 
 
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