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A.B.  MENDES CADAXA E AS PEÇAS LIGEIRAS
– LIÇÕES DE MESTRE

               Antonio Miranda

A.B.  Mendes Cadaxa é autor de muitos livros, mas conhecido de poucos. Diplomata de carreira, nascido em São Paulo em 1917, agora vive recluso nas alturas de Nova Friburgo, mas continua mais ativo e criativo do que nunca. Andou por muitos países e por 28 anos foi co-editor da revista inglesa de poesia Envoi. Nele, tudo é superlativo. De muita cultura, mas sem ranço. Fecundo, verseja do erudito ao popular, da lírica mais íntima às peças dramáticas. Wilson Martins descobriu nele, também, a “poesia para poetas”. Alexei Bueno reconheceu nele “Poesia, nutrida de tão profunda humanidade, sempre feita com a exatidão verbal que lhe é característica.” João Cabral de Melo Neto encontrou nele “um ritmo novo, há na linguagem algo ainda não tentado em português.”  Antonio Houaiss vai ainda mais longe, ao afirmar que Mendes Cadaxa é “Um dos mais altos e veros cantos de nossa língua.”. E, para não ir mais adiante, basta a assertiva certeira do Marco Lucchesi, que viu em Mendes Cadaxa “*Uma pluralidade textual que encanta; penso em Eliot, Toynbee, Spencer, enquanto Weltanschauns que atravessa toda a sua poesia. Alta e severa.”

Recebo pelo correio, enviado pelo grande poeta, mais um de seus livros com que me anima de vez em quando — agora o Mais peças ligeiras. Com a qualidade de “um vinho seco mas que embriaga”, como reconheceu no autor, há tempos, Dora Ferreira da Silva, outra admiradora do poeta.

            Um de nossos maiores poetas vivos, injustamente desconhecido. Ia dizer “do grande público”, mas devemos reconhecer que a sua poesia, sendo tão refinada, pareceria reservada às elites. Não é bem assim. Ele tem a têmpera dos clássicos e muitos de seus poemas, com alguma iniciação, poderiam ir a platéias mais amplas, com sucesso. Exemplos existem no livro recente, mesmo reconhecendo que, em outros textos, vale-se de um vocabulário tão vasto e tão especializado, socorrendo o leitor com um oportuno glossário ao final do livro. Vejamos um trecho de “Caçada de Javali”:

 

Esgueirando-se pela linha de couteiros

Enorme vara apareceu-me,

Vintena de javalis sem exagero.

À frente um cachação cor de tição,

Escolhido por leitões trotando espertinhos,

Mesclados com girondas e marrões.

Ia visando um nédio bacorinho

Cuja carne macia, nacarada, é uma iguaria

Quando o pater derivou pela direita

Seguido pela cochinada inteira.

 

 

Irônico, cruel, malicioso, emocionado, trovador e humorista, engajado e crítico, há de tudo na poesia do mestre. Pensador lírico, memorialista poético, repentista de formas consagradas pela tradição (ou erudição) e ao mesmo tempo inovador. Fabular e romanceiro.

 

 

DOM LOPO: LÁ E CÁ

 

Fernão Mendes Pinto dixit

 

Após viver no Oriente

Dom Lupo Dias Vilar

Instalou-se em Benavente

Em seu antigo solar.

No tempo que andou por lá

Regeu ilhas, batalhou.

Vivia como um rajá,

Mesmo assim amealhou

Um tesouro de invejar.

Comprou herdades e quintas

Lindeiras com o solar

As famílias mais distintas

Convida para jantar.

No início do verão

Deixa de folga os criados

Convida nessa estação

Os amigos mais chegados.

S´tando ausente a criadagem

Os convivas entretém

Co´as artes da famulagem

De um bem equipado harém.

Como nos cantos dos Vedas,

De mimosos pés no chão,

Suas belas vestem sedas

Transparentes do Sião.

Pelo que ouvi dizer

Depois de servirem ceia

Dar a todos de beber

Ao som de uma melopéia

Bailam danças de bacantes,

Quanto ao mais que se murmura

— Coisas pouco edificantes —

Eu descarto com lhanura. 

 

                Afirmei ser o poeta Mendes Cadaxa um ilustre desconhecido. Mas cultuado pelos poetas e estudiosos. Além de sucessivamente premiado.  Para citar apenas os últimos reconhecimentos, sua obra Perspectivas desde a rocha recebeu o Prêmio Nacional de Poesia do PEN Clube do Brasil em 1977 e seu Promontório  ganhou o cobiçado Jabuti. Em 1999, a União Brasileira de Escritores conferiu-lhe a medalha Paulo Rónai, pelo livro Escadaria de Jade, poemas chineses que traduziu ao português. Recebeu em 2000 o Prêmio de Poesia Jorge de Lima, pela Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores, e esta última, no ano seguinte, outorgou-lhe o Prêmio Joaquim Norberto por Poemas Tardios, traduções de poesias de Meng Chiao (secs. VIII-IX A.D.). A UBE volta a celebrá-lo em 2003 com o Prêmio Especial do Juri “Guilherme de Almeida” pela peça teatral A Rainha Impecável e, em 2005, seu romance Donina leva o Prêmio Érico Veríssimo.

                Um poeta que merece ser lido e relido. Pretendemos homenageá-lo durante a

I BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASÌLIA, que vai acontecer nos espaços do Conjunto Cultural da República, de 3 a 7 de setembro, organizada pela Biblioteca Nacional de Brasília e por outras entidades culturais da cidade capital.

            Terminemos esta resenha laudatória, transcrevendo um dos poemas de seu mais recente livro – Mais peças ligeiras (Nova Friburgo: Ars Fluminensis, 2007), em que Mendes Cadaxa revela sua capacidade de tratar e renovar temas clássicos com leveza e perspicácia.

SOFISTA

 

Não vive em barril, arenga por hábito

Faz levantar sobrolhos ao disputar na ágora

Por tudo ou nada

Contenta-se com óbolos, um raro dracma

Dos tolos a quem ensina a “arte”.

 

Tem horror à água

 

Sempre que me vê, cospe de lado

Quando paro a escutá-lo e o desmascaro

Finge ser surdo.

 

Diz-se imune às tentações da carne e mundo

Mas não rejeita vinho de Chios

Bebe até rolar pela calçada

A horas escusas visita prostitutas

Diante de efebos se masturba.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ANTONIO MIRANDA é poeta, autor de muitos livros de poesia, novelas, ensaios, livros técnicos na área de comunicação e ciência da informação. É o primeiro diretor da Biblioteca Nacional de Brasília.  Página do autor: www.antoniomiranda.com.br




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