TOMÁS RIBEIRO
(1831-1901)
Tomás António Ribeiro Ferreira (Parada de Gonta, Tondela, 1 de Julho de 1831 — Lisboa, 6 de Fevereiro de 1901), mais conhecido por Tomás Ribeiro (Thomaz Ribeiro, na época), foi um político, publicista, poeta e escritor ultra-romântico português. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, exerceu advocacia durante pouco tempo, pois cedo enveredando pela carreira política.
Membro destacado do Partido Regenerador, foi Presidente da Câmara Municipal de Tondela, Deputado, Par do Reino, Ministro da Marinha, Ministro das Obras Públicas e Governador Civil dos distritos de Braga e do Porto. Foi ainda secretário-geral do governo da Índia Portuguesa e embaixador de Portugal no Brasil. Eleito sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa foi presidente da sua Classe de Letras. Escritor e jornalista multifacetado, Tomás Ribeiro deixou uma obra vastíssima.
Foi pai da poetisa Branca de Gonta Colaço e avô do escritor Tomás Ribeiro Colaço. Fonte: wikipedia
VELHA GOA
“Eis a cidade morta, a solitaria Goa
seus templos alvejando num palmar enorme!
Eis o Mandovy-Tejo, a oriental Lisboa,
onde em jazigo régio imensa gloria dorme”
Jaz em tristeza imersa a tétrica cidade!
O turbilhão dourado, o estrondear da festa
envolve-os em seu corpor a mística saudade
e abisma-os no mistério a pávida floresta.
Nós somos do passado a tímida memória
buscando os seus avós no palmeiral funéreo
que apenas sobredoura um ténue alvor de gloria
como de fátua luz se esmalta um cemitério”
A JUDIA
Corria a branda noite; o Tejo era sereno;
a riba, silenciosa; a viração subtil;
a lua, em pleno azul erguia o rosto ameno
no céu, inteira paz; na terra, pleno Abril.
Tardo rumor longínquo; airoso barco ao largo
bordava áureo listão do Tejo ao manto azul;
cedia a natureza ao celestial letargo;
traziam meigos sons as virações do sul.
Ó noites de Lisboa! Ó noites de poesia!
auras cheias de aromas! esplêndido luar!
vastos jardins em flor! Suavíssima harmonia!
transparente, profundo, infindo, o céu e o mar...
Se a triste da judia ousasse ter desejo
de pátria sobre a terra, aqui prendera o seu
um bosque sobre a praia, um barco sobre o Tejo,
o eleito da minh’alma um coração só meu!...
Corria branda a noite; imersa em funda mágoa
fui assentar-me triste e só no meu jardim:
ouvi um canto ameno! e um barco ao lume d’água
vogava brandamente. A voz dizia assim:
“Dormes? e eu velo, sedutora imagem,
grata miragem que no ermo vi:
dorme - Impossível - que encontrei na vida!
dorme, querida, que eu descanto aqui!
Dorme! eu descarto a acalentar-te os sonhos,
virgens, risonhos, que te vêm dos céus:
dorme, e não vejas o martírio, as mágoas
que eu digo às águas e não conto a Deus!
Anjo sem pátria, branca fada errante,
perto ou distante que de mim tu vás,
há-de seguir-te uma saudade infinda,
hebreia linda, que dormindo estás.
Onde nasceste? onde brincaste, ó bela;
rosa singela que não tens jardim?
Em Jafa? em Malta? em Nazaré? no Egito?...
mundo infinito, e tu sem berço?! oh! sim,
folha que o vento da fortuna impele,
vitima imbele que um tufão roubou!
flor que num vaso se alimenta, cresce,
ri, desaparece, e nunca mais voltou!
Filha dum povo perseguido e nobre,
que ao mundo encobre o seu martírio, e crê:
sempre Ashevero a percorrer a esfera!
desgraça austera! inabalável fé!
porque há-de o lume de teus olhos belos,
mostrar-me anelos d’infinito ardor?
porque esta chama a consumir-me o seio?
Deus de permeio nos maldiz o amor!..
Peito! meu peito, porque anseias tanto?
pranto! meu pranto, basta já, não mais!
é sina, é sina! remador voltemos;
não n’a acordemos... para quê, meus ais?...
Dorme, que eu velo, sedutora imagem,
grata miragem que no ermo vi:
dorme - Impossível - que encontrei na vida!
dorme, querida, que eu não volto aqui!” -
Sumiu-se a barca e eu chorava
debruçada sobre o Tejo:
a aragem trouxe-me um beijo
que nos meus lábios tomei…
ergui-me cheia d’afecto;
vi cintilar ainda a esteira
da barquinha feiticeira,
e disse às auras: “Correi!
trazei-mo! quero contar lhe
o fundo tormento enorme
da judia que não dorme
a penar d’ignoto amor!
Voai! trazei-me o seu nome,
o seu retrato, o seu canto,
uma baga do seu pranto
que venha o meu trovador!…
Ai, não! que há na minha história
que lhe suavize a tristeza?
Nasci na triste Veneza,
onde perdi minha mãe;
acalentaram-me lágrimas
que derramava a saudade,
na desgraçada cidade
que não tem pátria também
Cresci; meu pai uma noite
Disse-me: “É já tempo agora;
ergue-te ao romper da aurora
vamos partir amanhã;
vamos ver as terras santas,
sepulcros de teus monarcas;
a pátria dos patriarcas,
desde o Egipto ao Chanaan,
Fui; corri o mapa imenso
das montanhas da Judeia;
ai pátria da raça hebreia!
ai, desditosa Sião!
que extensos montes sem relva!
que paragens sem conforto,
onde se estende o Mar-Morto
e onde serpeia o Jordão!…
Aqui, de Hemor os vestígios;
de Sife, além o deserto,
longe, o Sinai encoberto;
d’Horeb o morro, ainda além;
deste lado, o Mar Vermelho;
daquele... nada! uns destroços:
ruínas, campas sem ossos,
e, ao fundo, Jerusalém.
Meu pai chorava, e eu chorava,
vendo morta e sem prestígio,
terra de tanto prodígio,
maldita agora de Deus.
Tudo silencioso, estéril
tudo vastos cemitérios
onde ruínas d’impérios
ficaram por mausoléus!
- “Meu pai - disse eu - tenho sede…
-“Vê , filha, a aridez do monte:
só Deus dava ao ermo a fonte
em que bebia Ismael.”
“Pai, cansei; mostra-me a pátria
quero dormir sem receio…,
“Filha, encosta-te ao meu seio,
que não tem pátria Israel….
Em rodo o mundo estrangeiro,
toda a vida peregrina!
Vede se há mais triste sina:
Ser rica e não ter um lar!
Sempre a lenda do Ashevero!
sempre o decreto divino!
sempre a expulsar-me o destino,
como Abraão à pobre Agar!
Que pode valer à hebreia
sentir n’alma chama infinda,
como a linda Ester ser linda
e amada como Raquel?
Se o coração da judia
se entreabre do amor aos lumes
não lhe dá tempo aos perfumes
o seu destino cruel.
Ai, trovador nazareno,
não voltes! tenho receio.
Dizes que é Deus de permeio?
não, blasfemaste: Deus, não.
Pôs o mundo esse impossível
entre o desejo e a ventura;
o amor chama-lhe — loucura,
e o preconceito razão
Deus é Deus, e um só existe;
cego é o mundo, e vária a crença;
mas esta cúpula imensa
é teto de todos nós:
este ambiente que respiro,
da lua e do sol os brilhos,
hão-de ser de nossos filhos,
foram de nossos avós.
Mas se a crença nos separa
e o mundo exige o suplício,
dê-se o amor em sacrifício,
deixando se o pranto à dor;
eu, cerro o peito à ventura;
tu, esmaga o teu desejo;
não mais virei junto ao Tejo...
não voltes mais, trovador!
/ POEMA DE DESPEDIDA /
«Não vê a Terra alumiada
Dos astros do firmamento,
Quem leva a mente abrasada
Nas chamas dum pensamento.
Dormia inteira a cidade,
Ao Penedo da Saudade
Levou-me o destino meu;
Tudo era melancholia,
Vall!!!-perfumes!-harmonia!
Aves, flores, prado e Céu.
Olhei esse Éden para mim perdido,
Jardim florido de saudade e amor!...
Era a sahida do paiz do encanto!!
Não tive pranto, que afogasse a dor!!
Em cada roble que povoa o monte,
Na flor, na fonte, ao luar, no Céu,
Reli as folhas de truncada história,
Triste memória do que já foi meu.
Adeus ó templo de perennes prantos,
Que tens por cantos lacrimosos ais,
Vim tantas vezes suspirar contigo!...
Ai vall!!!amigo!—para nunca mais!»
FAÇO IDEIA
(NUM ÁLBUM)
– «A proprietária do livro
que te aqui deixo, Tomás,
é minha amiga; e verás
que não tem nada de feia.»
– «Faço ideia.»
– «É Beatriz!»
– «O nome é lindo!»
– «E o corpo? airoso e gentil!...
e aquele nobre perfil!...
e a fronte que o orgulho alteia!...
– «Faço ideia!»
– «E vai fugir-nos, poeta!...
cansada já de festins,
troca os salões por jardins,
a capital pela aldeia!...
– «Faço ideia.»
– «Não fazes ideia! enganas-te!
não pode haver fantasia
que sonhe inteira a magia
de que a beatriz se rodeia!»
– «Faço ideia!»
– «Ai fazes?!... pois nesse caso
descreve-a assim – tal e qual.»
– «Mas... sem ver o original?!...»
– «Amigo, não se arreceia
quem faz ideia!»
O meu amigo, senhora,
que a verdade não falseia,
fez assim vosso elogio,
e eu fiquei... fazendo ideia!
Página publicada em agosto de 2017
|