Retratada por Botelho
NATÁLIA CORREIA
Natália de Oliveira Correia GOSE • GOL (Fajã de Baixo, São Miguel, 13 de Setembro de 1923 — Lisboa, 16 de Março de 1993[1]) foi uma intelectual, poeta (a própria recusava ser classificada como poetisa por entender que a poesia era assexuada) e activista social açoriana, autora de extensa e variada obra publicada, com predominância para a poesia. Deputada à Assembleia da República[2] (1980-1991), interveio politicamente[1] ao nível da cultura e do património, na defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres. Autora da letra do Hino dos Açores. Juntamente com José Saramago (Prémio Nobel de Literatura, 1998), Armindo Magalhães, Manuel da Fonseca e Urbano Tavares Rodrigues foi, em 1992, um dos fundadores da Frente Nacional para a Defesa da Cultura (FNDC). Tem uma biblioteca com o seu nome em Lisboa em Carnide.
A obra de Natália Correia estende-se por géneros variados, desde a poesia ao romance, teatro e ensaio. Colaborou com frequência em diversas publicações portuguesas e estrangeiras. Foi uma figura central das tertúlias que reuniam em Lisboa nomes centrais da cultura e da literatura portuguesas nas décadas de 1950 e 1960. Ficou conhecida pela sua personalidade livre de convenções sociais, vigorosa e polémica, que se reflecte na sua escrita. A sua obra está traduzida em várias línguas.
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METAMORFOSES NECESSÁRIAS PARA A RECONQUISTA
DO MUNDO
Quando a flor da água não for superfície
Nem for outra cor para a flor do fundo;
Quando a sombra der de si mesma indício;
Quando um lírio for de si mesmo oriundo;
Quando os astros forem a luz que os anima
E as rosas iguais ao que são por fora
E a forma do corpo florir na retina
Subida do peso carnal que a demora;
Quando um rouxinol for no próprio canto
Vibração da sua mais longínqua era;
Quando as violetas não forem o espanto
De se transformarem para a primavera;
Quando uma laranja comer um rapaz
Em vez desta fome disposta ao contrário;
Quando for o mesmo à frente ou atrás;
Quando estar sentado for imaginário;
Quando uma donzela não for colorida
E a terra a medida dum corpo no chão
E a morte não for outro nome para a vida
E a vida esta grande falta de razão;
Quando uma cidade for A Conseguida
Porque uma cigarra tem opinião;
Quando dar a mão não for despedida
E um gesto não for o exílio da mão...
(De Passaporte)
REBIS
Oh a mulher como é côncava
de teclas ter no abdómen
de sua porção de seda
ser o curso do rio homem
Como é mina espadanar de água
na cama abobadada de homem
gargalhada de lustre se sentada
dique de nuvens estar de dólmen!
Oh o homem como é ângulo
aberto de procurar
o sítio onde nasce o ouro
na salmoura da mulher mar
como é cúpula de copular
nadador de braçadas de mirto
como é nado de a nada formar
o quadrado da mulher círculo!
Oh os dois como se fundem
na preia-mar dos lençóis
despidos como fogo e água
deus de dois ventres ferozes
e quatro olhos de fava!
(De O Vinho e a Lira)
O CÃO
Exacto oboé de pelo
por quatro patas contido
humano de não querer sê-lo
pontualmente enternecido
Geométrica dose de amor
aos pés do dono rio
cão por fora absoluto
de cão não ser escondido
Povo não polvo o seu latido
por nos seguir é cão.
Mas se seguido?
(De O Vinho e a Lira)
Página publicada em setembro de 2016
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