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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


LUÍS FILIPE CASTRO MENDES

LUÍS FILIPE CASTRO MENDES

 

 

Nasceu em 1950, em Idanha-a-Nova. Formado em Direito pela Universidade de Lisboa (1974), seguiu a carreira diplomática, facto que o tem feito viver um pouco por todo o mundo.

 

Poeta e ficcionista, fez a sua estreia em 1983 com a colectânea de poemas Recados. Revelam-se, nesta obra, duas características que marcarão a sua poesia: a intertextualidade (com referências a escritores como Emily Dickinson, Rilke, Nietszche, Jorge Luís Borges, Rimbaud, entre outros) e o tratamento de formas poéticas tradicionais, como o soneto.  Fonte da biografia e foto: http://cvc.instituto-camoes.pt/

 

 

estamos aqui diante de um poeta acima de tudo elegíaco, o que desde logo o prefigura com um lírico ou seja, um ser cuja estrela-guia é a brevidade do verbo e a concisão do pensamento. Castro Mendes [e um poeta que jamais se derrama e cuja linguagem opera somente no nível da economia e da austeridade expressivas, o que lhe confere ao verso uma espantosa intensidade de contração. É poeta quase sempre medido, e bem medido, senhor absoluto de seu instrumental e do idioma de que se serve.”  
IVAN JUNQUEIRA

 

          A MÚSICA DA POESIA

Que distingue, afinal, a poesia
da conversa banal do dia a dia?
«Conversa inteligente», no dizer
de Thomas Eliot, não parece ser.
Em muita coisa pára a poesia
que a inteligência logo desafia.
Poesia é lenta, mais que o entender
(«poiesis» não se esgota no fazer).
Como distinguir, pois, no intermédio,
tudo o que de nós fala sem remédio?
E que separa assim a «melopeia»
da música de fundo que se ateia
pelos aeroportos, na estação,
nesses supermercados todo o verão,
nas compras em qualquer loja de aldeia,
nos esconsos desvãos de uma ideia
que nos serve de escusa e de perdão?
Que distingue afinal a poesia
senão tanto que a excede e contagia?

 

Os poetas esquecidos

 

Ficaram pelo caminho.

Não lhes foi sua a idade.

São nota de rodapé

para a posteridade.

 

Ficarem pelo caminho

na agonia esquecida

de que o escuro temor

lhes devorasse a vida.

 

Ficaram pelo caminho.

Fizeram o seu tempo.

Na morte sem abrigo

e que tem assento.

 

Ilesos da glória

que a fama não deu,

sem cruz nem vitória,

bem longe do céu

 

da história literária,

gazeta ou Parnaso,

têm morte diária

ou leitores de acaso.

 

 

 

Anoitecer de Ouro Preto

 

Nas gelosias se quebra

toda a luz; e toda a graça

que em raios de sol se dispersa

faz-se cinza nesta praça.

Nos altos sobrados velhos

das casas com seus fantasmas

um vulto vem de joelhos

trazer-me a pena das almas.

Anoiteceu; mas aqui

nesta praça de Ouro Preto

tantos rostos que entrevi

foram sombras de um só medo.

Porque os mortos me procuram?

Quantos crimes cometi?

Cai tão cedo a noite escura

que nem sei o que vivi.

 

Nas gelosias se perde

o desenho de uma vida:

sou eu o vulto que acede

à janela escurecida.

Fui eu que traí a senha,

sou confidente e algoz:

ninguém há que me detenha!

nenhum cavalo veloz

pode alcançar-me, prender

meu corpo em dura prisão:

que os traidores hão-de vencer,

pois a história é só traição.

 

Escondo-me no sobrado:

oiço passos que perseguem

o riso dos conjurados,

torturando até que neguem.

Escondo-me pelo confins

da História que já não lembro,

de que não sei mais os fins

nem os vãos ardis retenho.

Sou eco do que falou,

o escondido delator,

o que em tratos revelou

até segredos de amor.

Oiço a dor dos torturados,

fui eu que traí a senha:

não há cavalos alados

nem tropa que me detenha!

 

Anoiteceu. Gelosias

fecham no sobrado as almas.

E as palavras são tão frias

como negras aves calmas.

 

 

Poemas extraídos da revista POESIA SEMPRE, Num. 26, Ano 14, 2007. Edição da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

 

 

Música Calada   

 

Dizias que nos sobram as palavras:

e era o lugar perfeito para as coisas

esse escuro vazio no teu olhar. 

 

E demorava a dura paciência,

fruto do frio nas nossas mãos vazias

que mais coisas não tinham para dar. 

 

Dizia então a dor o nosso gesto

e durava nas coisas mais antigas

a solidão sem rasto que há no mar.

 

 

 

 

MENDES, Luís Felipe Castro.  Poesias reunidas 1985-1999.  Prefacio Pedro Lyra.  Rio de Janeiro: Topbooks, 2001.   440 p.   Capa: Adriana Moreno.  “Orelha” do livro: Ivan Junqueira.  Contracapa: texto de Alexei Bueno. ISBN 85-7475-026-3   “ Luís Felipe Castro Mendes “. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília.

 

HISTORIA PESSOAL

  1. Entre a morte e a música
    abandonámos finalmente as nossas mãos sobre as águas.
    A persistência dos rio serviu-nos de guia
    e o silêncio escondeu-nos de olhares atravessados pelo frio
    de uma só palavra.

  2. A recusa
    percorrida na terra,
    partilhada por mãos brutais de amor,
    a recusa
    floresce,
    transforma o pássaro na sua própria voz
    transfigurada.
  3. A dor
    “antiquíssima, libertando”
    o archeiro do seu arco,
    o tempo do seu peso,
    tornando enfim o corpo
    pura respiração.
  4. A poesia
    recupera restos, tonalidades
    desapercebidas,
    a intensidade de uma paixão vazia.
    A poesia não tem memória.
  5. Margens
    de orvalho
    ou a inquietação penosa
    de durarem os dias
    na sua perda.
  6. A claridade
    da flor na chama,
    o rumor
    por dentro dos frutos,
    a palavra “raiz”.

    O inverno
    nas árvores enfim concordes.
  7. O amor, uma história
    quase pessoal.

 

Página publicada em novembro de 2009; AMPLIADA e republicada em março de 2015. Ampliada em fevereiro de 2016

 


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