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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

POESIA DE PORTUGAL
Colaboração de Nicolau Saião

JOÃO GARÇÃO

JOÃO GARÇÃO

Poeta, pintor, ensaísta, desportista e autarca, natural de Portalegre (1968) onde fez os primeiros estudos. Foi futebolista profissional (guarda-redes) na primodivisionária Académica de Coimbra. Licenciado em História da Arte e Mestre em História Contemporânea de Portugal (Univ. Coimbra), foi depois presidente da Direcção e professor do Instituto Superior de Ciências Educativas de Felgueiras.

  Poemas e textos seus integram diversas antologias poéticas e plásticas. É colaborador de importantes órgãos artísticos nacionais e internacionais e tem participado em exposições de pintura em Portugal e no estrangeiro.  Especialista em teoria artística e arte aplicada, proferiu conferências e publicou artigos sobre Educação, Arte, Ética e Política em jornais e revistas da especialidade.

 Colaborador de “Agulha”, “TriploV” , “Jornal de Poesia”, “DiVersos”... Autor de “Os versos do Zé Povão” e de “Contos do centro do meio”.

 Vereador dos pelouros da Cultura, Educação e Acção Social da Câmara Municipal de Felgueiras e deputado na Assembleia da Comunidade Urbana de Vale do Sousa. É, também, membro efectivo da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Vive em Guimarães.



SENTIMENTO

 

A água está parada, muito quieta no meio da noite.

E é preciso perguntar-lhe: és água de um rio?

És água dum mar? És água dentro dum copo

sobre uma mesa muito antiga e sonhada?

És água para um cavalo beber? Para um cão se banhar?

Para um homem e uma criança se lavarem ao relento?

Para uma mulher, para um gato, para um lobo?

 

E a água talvez não te responda. Nunca te responda.

Ou te responda tarde de mais. Ou nem sequer te ouça.

 

Mas tu pergunta. Pergunta e espera pela resposta.

Mesmo que os minutos passem entre ti e a água

E devagar uma silhueta se desloque

e depois se detenha no meio das árvores imóveis.

 

 

ABECEDÁRIO

 

Vá, não entres aí

Isso é um advérbio de modo

E embora te pareça um particípio passado

é um adjectivo e às vezes um presente.

 

Fica parado à saída: está a chover

Dentro dessa frase quem anda ao sol molha-se muito

É um discurso ediomático e por isso

onde está o prenome é o substantivo.

 

Junta-te ao ponto e vírgula: custa menos

do que escrever com pontinhos nos is

quando as reticencias nos confundem

com exclamações  ou verbos no futuro.

 

Os conjuntivos na oração nunca se entendem:

e por isso, dizem, é que os agás são mudos.

 

 

SOLFEJO

 

Meu menino, ino, ino

meu menino do cinzel

Se olhares para o horizonte

verás S. Pedro de Muel

 

Meu menino, meu menino

meu menino do Choupal

Se olhares para o oceano

tu verás o Cadaval

 

Meu menino, meninão

meu menino da pistola

Se olhares p’ra dentro dum morto

verás Moçambique e Angola

 

Verás o não e o sim

meu menino face preta

Se olhares para a tua imagem

‘starás no céu da Fuzeta

 

Num almoço ao pé do Douro

lá p’ró norte do país

Se olhares p’ra cima do mundo

cair-te-á o nariz

 

E se fores ao Estoril

a S.Roque e a Albufeira

um fantasma aparecerá

de repente à tua beira

 

Meu menino, ino, ino

meu menino desgraçado

Se olhares para tudo o resto

ficarás do outro lado

 

Entre um ponto circunflexo

um parêntesis e um til

Se souberes todas as letras

descobrirás o Brasil

 

Meu menino, meninote

meu menino brincalhão

Se não andares num fagote

perderás o coração

 

E hão-de partir-te a cabeça

meu menino, minha estrela

Se olhares p’ra baixo da morte

não poderás fugir dela.

 

Toma cuidado, menino

ao chegar e ao partir

Se não procurares a Vida

nem dela poderás fugir!

 

 

SÁBADO

 

Sinto-te respirar

enquanto a noite vai andando pelo mundo

e detrás das portas há mais silencio

como se as palavras tivessem partido

 

Armários e cadeiras são como presenças

são presenças entre as paredes

e tudo vai vivendo de novo

sem perguntas  em nós   e sem mágoas.

 

Nas antigas memórias

onde tudo se acolhe

as vozes esperam o tempo

de renascer.

 

                                                               

AGUARELA

 

Na minha terra, quando eu era pequeno

havia montanhas altas com bosques e recantos

pelo menos um Oceano com piratas e segredos

e muitas outras coisas que se transfiguravam

 

Os heróis eram altos, atléticos, usavam duas cores

e parece que havia uns outros sobrados da Grande Guerra

 

A velhota gorda que vendia castanhas no largo do Rossio

pertencia a uma misteriosa quadrilha francesa

falava alto, tratava os fregueses pelo nome

aparecia e desaparecia consoante era Inverno ou Verão

 

No dia de Santos o gajo das barbas (que tinha um tesouro escondido)

dava-nos nozes, se lhe batíamos à porta

e havia alguns, corajosos, que batiam

 

Havia um espanhol que era barbeiro

mas as tesouras cantavam em português

 

Os polícias passavam, nas tardes de Primavera

muito suaves, devagarinho, rua do Comércio abaixo

quando não era pela Corredoura acima

 

Pareciam anjos vestidos de azul claro

 

Só muito mais tarde notei que usavam cassetete

 

Como eu gostava da Escola! E ainda por cima

os professores era tudo gente esperta

 

Não havia, que eu soubesse, pessoas infelizes

e os bandidos só faziam serviço no “Tintin”

ou nos filmes (poucos) da televisão

 

Mas as coisas, como nas fitas, parece que às vezes

andam demasiado depressa.

 

Os heróis – os mais velhos morreram –

tinham estado, coitados, com o Milhões na França

e os que eram às cores transformaram-se em futebolistas

com o remate trocado

 

A mulher das castanhas foi um ar que lhe deu:

finou-se com um colapso e era avó de três netos

como ela trabalhadores da fábrica da rolha

 

Os anjos que eram polícias já só andam de carro

e um deles até me ofendeu, um dia, junto a um Bar

 

Alguns dos professores ficaram com orelhas de burro

 

E nesta coisa de crescer, o que mais (juro-vos) me dana

é que agora corto o cabelo num cabeleireiro de homens

que competentemente me afeita (enquanto leio o jornal)

com um aparelho que rosna como um rafeiro sem classe.

 

 

OUTRORA

 

Ficava lá ao longe aquela serra. Ficava

ao longe muito perto da minha janela e do quintal

da madrinha Francisca. Ficava

entre as laranjeiras do quintal e às vezes

era de noite, lá estaria

pensava eu. Às vezes eu

pensava se haveria serras assim noutros lugares, mas

nem sabia que era uma serra. Lá estava entre os pinheiros

da estrada da volta à serra, que era uma outra

mais pequena ou seja

muito maior porque era mais perto e eu

ainda não sabia perspectiva

nem matemática, nem

sequer geografia: mas conhecia bem

a loja do senhor Buxita e dali

a  serra à tarde encontrava-a por cima da prateleira

dos rebuçados de frutas.

A serra agora

ainda está no mesmo sítio, mas como em geral vou

de carro, a serra sempre a vejo junto do espelho

retrovisor e como escolho sempre a estrada

da piscina do Reguengo, a serra fica entre oliveiras e

também  já a vi

entre as folhas e os ouriços dos castanheiros no outono

 

Como daquela vez há anos quando fui tirar

um retrato no dia

do baptizado do meu irmão perto daquela fonte

 

da fonte da Nave Fria    e ele  chorou.

 

                                               

                                            

João Garção

in “OS VERSOS DO ZÉ POVÃO”

 

Página publicada em dezembro de 2008



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