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FERNANDA BOTELHO

(1926-2007)

 

Maria Fernanda de Faria e Castro Botelho (Porto, 1 de Dezembro de 1926 - Lisboa, 11 de Dezembro de 2007) foi uma escritora portuguesa.

Era parente afastada do escritor Camilo Castelo Branco. Estudou Filologia Clássica nas Universidades de Coimbra e Lisboa, viria a fixar-se em Lisboa para ocupar a direção do departamento belga de turismo entre 1973 e 1983.

Foi co-fundadora da revista Távola Redonda, tendo ainda colaborado ainda em outras publicações periódicas, nomeadamente a Europa e a Graal.

Em termos literários fez a sua estreia com o livro As Coordenadas Líricas (1951).   Fonte: wikipedia

O estilo de Fernanda Botelho é  “de um rigor, de uma originalidade tais que a troca de uma simples palavra na maioria das suas frases apagaria intenções. esse estilo acutilante, irónico, pessoalíssimo, todo ele nervo e criação, bastaria para impor decisivamente Fernanda Botelho». RBANO TAVARES RODRIGUES

 "[...] árida, sarcástica, anti-lirica [...] vivendo a sua lucidez na desagregação e pela desagregação de uma desassombrada e cínica visão que usa insolitamente as palavras e os símbolos." JORGE DE SENA

 

AMNÉSIA

 

Posso pedir, em vão, a luz de mil estrelas:

penas obtenho este desenho pardo

que a lâmpada de vinte e cinco velas

estende no meu quarto.

 

Posso pedir, em vão, a melodia, a cor

e uma satisfação imediata e firme:

(a lúbrica face do despertador

é quem me prende e oprime).

 

E peço, em vão, uma palavra exata,

uma fórmula sonora que resuma

este desespero de não esperar nada,

esta esperança real em coisa alguma.

 

E nada consigo, por muito que peça!

E tamanha ambição de nada vale!

Que eu fui deusa e tive uma amnésia,

esqueci quem era e acordei mortal.

 

 

         LEGENDA

         Como quem sene
         na legenda do presente
         o fim duma história breve,
         vou vivendo um sonho intacto
         num pesadelo crescente
         — uma luz fecunda e leve
         nos olhos pardos dum gato.

                  (De As Coordenadas Líricas)

 

         QUOTIDIANO

         Sou eu. Sabes quem sou?
         Não, não digas nada.
         Sei apenas que estou
         acabrunhada.
         E se inclino o rosto,
         se pareço uma pirâmide truncada
         com sobrecasaca de frio,
         é porque não gosto
         de puxar o fio
         à meada.

         (Escadas escuras,
         subidas dia a dia.
         Pernas cansadas
         e solas gastas.
         Harmonias acabadas
         num gesto torvo.
         Tremenda nostalgia
         de iluminações vastas
         e de calçado novo.)

         Pernas cansadas? Sim.
         Magras? Talvez.
         Aqui, onde me vês,
         já fui assim...
         roliça,
         com bocejo na hora da preguiça...

         Aqui, onde me vês,
         não é a mim que me vês,
         já fui assim
         ... roliça,
         como bocejo na hora da preguiça...
         Aqui, onde me vês.
         É a magricela
         que sobe aquela
         escada de sonhos desiguais
         que me constrangem.

         — E ainda para mais
         os meus sapatos rangem.

                  (De As Coordenadas Líricas)

 

         RECURSO

         Foi um sorriso o gesto que ficou
         de me desperdiçar sem desalento:
         uma pequena onda, no momento
         mais trágico do mar — pequena e só.

         Tudo evoluiu; apenas alvo e puro
         prolonga-se o momento em jogo breve
         dum sorriso que ficou a quem não teve
         a âncora firmada em cais seguro.

         De resto, o vendaval foi amansado
         perante a tempestade dum sorriso
         (tempestade oculta, como um guizo
         que ninguém agitou, por ser cansado).

         Dentro do meu cais, desfez-se a bruma.
         Um sorriso domou a tempestade.
         E o mundo se jogou na imensidade
         duma pequena coisa, apenas uma.

                   (De As Coordenadas Líricas)

 

         LUZ

         A mensurável condição humana,
         quanto me exige! Quanto proclama
         o seu poder em mim!

         Tal submissão nem me redime
         nem me liquida.
         Não é renúncia sublime
         nem carícia retribuída.

         Não tenho eira nem beira,
         vivo nas dobras da terra
         e aceito quanto me dão.

         Eis o meu nome: toupeira.
         — E o meu olhar se descerra
         apenas na escuridão.

                   (De Graal no. 2)

 


 

 

 
 
 
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