DIOGO ALCOFORADO
Espinho - (1937) Poeta, pintor e professor. Diplomado com o Curso Superior de Pintura da ESBAP (Escola Superior de Belas Artes do Porto) em 1965 e licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras do Porto em 1976, fez ainda o Curso de Ciências Pedagógicas da mesma faculdade. Em 1977 passou a leccionar Estética no Curso de Filosofia da Faculdade de Letras do Porto, onde se douturou em 1990 com a dissertação “Sentido Trágico da Ideia Baudelaireana de Modernidade – Alguns Aspectos da Práctica Pictórica Francesa: de Coubert a Cezanne”. Foi cofundador dos cadernos de poesia “Exercício de Dizer”, onde publicou as séries “Sete Meditações Sobre os Rios” e “Sete exercícios de Pura Circunstância”, inseridas nos volumes colectivos Exercícios de Dizer (1977) e Terra: Porto. Publicou a série “A Miragem: Onze Meditações em Forma de Sonetos” na revista Nova Renascença (n.o 10, 1983). Está representado em algumas publicações colectivas de poesia. Tem ensaios sobre problemática estética ou outros domínios da Filosofia publicados em várias revistas.
(Fonte da biografia: /www.asa.pt)
ELOGIO DO DESENHO
I.
Apenas o mover-se desafia
outro impulso, - a mobilidade
dos músculos contrácteis onde há-de
abrir-se a imagem que devia
ao tempo cada corpo: doação
ou gesto que em si se silencia.
Que medo ou que dor, - ou só: que via
desdobra a passagem dessa mão
por sobre afolha lisa?turbação
tornando-se rigor? ou alegria,
ou forma de serena gravidade
no centro desmedido de tal chão?
E um rasto imenso já se guia:
transparente, na luz que o invade.
(revista Hífen)
2.
Deslumbra-se a parte que merece
o deslumbramento: a mão correndo
entre folhas suspensas quase sendo
presente que o corpo estremece
no selo de seu termo. Evidência:
de súbito silêncio, de frágil
equilíbrio instante sobre ágil
caudal. Que intervalo, ou cadência
de um fulgor sereno se desprende?
indizível, sucede-se uma lento
o trânsito: imagem do sossego
ou passo paralelo que o fende.
Espanto é então outro alento:
o modo (deslumbrado) do apego.
(revista Hífen)
Soneto nº 4
Por que dor, ou destino, só o pé
avança contra si, traz ao lugar
de pedras e de terra de andar
a circunscrita volta, se até
a casa que se houve não desloca?
E assim vai: dobrando, sem resposta,
a ferro qualquer passo, -- se aposta
o sonho nesse canto ou invoca
a porta que outrora foi medida.
Nenhum termo, agora, dá à boca
o som que mal concebe: desviado
do sulco onde colhe dom e vida.
E a noite que vê aí o toca:
no peito, -- ou no centro do seu lado.
SONETOS
In memoriam M.L.
I.
Desprende-se de si o movimento
mortal:impiedoso, sibilino,
traçando o, rigorosamente fino,
percurso, com a precisão do vento.
Nem a chama nem o silvo precipitam
tal mobilidade: apenas o poder
do aço estabelece o ser –
vil golpe, - pelos dedos que o ditam.
Sensível transição: indescritível.
E o móvel liberto torna viva
de um a outro ponto, como fio
horizontal, a linha de seu nível.
Instante de rigor; ou só cativa
velocidade, crescendo sem desvio.
2.
De fogo, dir-se-á; e é de fogo.
Deflagração aguda; fulminante
partida, inventando-se perante
a sombra, no lugar por onde logo
a noite, luminosa, traz seu fosso.
Da boca do revólver vai à boca
do tempo: circunscrevendo a toca
aberta, com a precisão do poço.
Cilíndrica, é fértil; e tão funda
por ela vem seu veio: sinuoso,
vermelho, transparente, - desprendido
da terra que o sangue já inunda.
Deslocação do fim, - ou ocioso
trânsito: obsessivo, requerido.
(revista Limiar)
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