LIBERDADE
Como se de asas de tratasse
invoco teu nome liberdade.
Procuro nos teus seios de lava
palavras nuas à beira da morte.
Âncoras de sol,
frutos indistintos que prometam
um porto com a forma do corpo.
DA PEQUENA MORTE
Alimento a tua pele silenciosa
enquanto renovas a paz do meu sangue
a morte o sismo a transparente cruel-
dade onde naufragamos onde agora
o pão e o sol e o canto inventamos
A noite convoca o arco distendido
a ponte reconstruída dos corpos
Alimento com minha armas vagarosas
âncoras de sangue do mar libertas
a luz que nos unes até aos ossos até
ao núcleo em que terra e fogo desfazem
no corpo a pequena visitação da morte
ESPAÇO CRUEL
Neste espaço cruel
onde me perco onde encontro
neste espaço cruel onde o deserto
nos dá por companhia os próprios ossos
e a morte reflete a nudez de quem
no amor viajado contempla
de frente o sol
Neste espaço cruel onde dos ossos somos deserto a própria companhia
e nos perdemos se nos
encontramos
Neste espaço cruel
a morte nos domina e a morte
dominamos
De
Casimiro de Brito
MÚSICA DO MUNDO
Organização de Carlos Nejar
Apresentação Ildásio Tavares
São Paulo: Escrituras, 2006
165 p. (Col. Ponte Velha)
ISBN85-7531-233-2
(Exemplar gentilmente enviado pela editora,
por recomendação de Floriano Martins)
DISSOLUÇÃO DO CORPO
Que mais tens para vender (estátua
De pequena estatura) além
Do pó? O que tens de comum com a morte
De teus irmãos? Viveste
Em caves sem lenha, bebeste
O vinho da ira, a neve
Do exílio — mas canta! Nem só pelo pão
Vive o homem; nem só de
Música. Também a posse mineral do silêncio
Te alimenta — a sombra venerável
Do sangue. Assim se destilam
Medo & cólera — bússolas esculpidas
Nas praias desertas
Do corpo. Ajustam-se
Os elementos cruciais
Da guerrilha; a explosão
Do sono; a vertigem colectiva desse fogo
Em oceanos de usura roubado, em ácidas matérias
Silenciado— cinza pobre, arestas de cristal
Num corpo indissoluto. Armas
Sem lirismo
As tuas! Lâminas nuas
À beira da morte ah mas eu já não sei
Se vida ou morte existe — sílabas
Aguçadas no fermento quotidiano! Cantas —
Canto para limpar o tempo mínimo
Da estátua mais feminina, espátula
Sem repouso. Denuncias a memória
Dos tempos — desenvolves a fórmula
De onde se desprendem o júbilo, frutos luminosos e sal
Fresco
Por lacónicos materiais violentado. Águas
Sentadas
De povos, nações e línguas. Armas
Do vento as tuas — árida
Ariadna...