ANTÓNIO BARBOSA BACELAR
António Barbosa Bacelar (1610-1663) nasceu em Lisboa de uma família remediada, frequentando o Colégio de Santo Antão e indo depois estudar Direito para Coimbra. Tendo-se dedicado à magistratura, foi corregedor em Castelo Branco, provedor em Évora, desembargador no Porto e magistrado na Casa da Suplicação em Lisboa. A par do trabalho no âmbito da justiça, dedicou-se à escrita, nomeadamente à historiografia e à poesia. Dentro da historiografia, escreveu a Relação Diária do Sítio e Tomada da Forte Praça do Recife, publicada em Lisboa em 1654, a Relação da Vitória que Alcançaram as Armas do Muito Alto e Poderoso Rei D. Afonso VI, em 14 de Janeiro de 1609, Uma e Outra Fortuna do Marquês de Montalvor, D. João de Mascarenhas e a Vida de D. Francisco de Almeida. A sua obra poética está essencialmente publicada na Fénix Renascida.
Fonte: http://alfarrabio.di.uminho.pt
A UMA AUSÊNCIA
Sinto-me sem sentir todo abrasado
No rigoroso fogo, que me alenta,
O mal, que me consome, me sustenta,
O bem, que me entretém, me dá cuidado:
Ando sem me mover, falo calado,
O que mais perto vejo, se me ausenta,
E o que estou sem ver, mais me atormenta,
Alegro-me de ver-me atormentado:
Choro no mesmo ponto, em que me rio,
No mor risco me anima a confiança,
No mor risco me anima a confiança,
Do que menos se espera estou mais certo;
Mas se de confiado desconfio,
É porque entre os receios da mudança
Ando perdido em mim, como em deserto.
A UM DESMAIO
Contra Flora aos suspiros fugitiva
O Amor em um delíquio se conjura,
Muda-se o vivo fogo em neve pura,
Mas mais aquela neve o fogo aviva:
Até no paroxismo almas cativa
Desmaiada a mais bela formosura,
Nos embargos da vida ainda lhe dura
O rigor, em sinal de que era viva.
Sylvio, que aflisse a ele, e a Flora adora
Trazendo-a no peito retratada,
Com um desmaio outro desmaio chora;
Mas não foi maravilha desusada,
Se a bela cópia se desmaia em Flora,
Que se desmaie em Sylvio a copiada.
SONETOS V.2. Jaboatão, PE: Editora Guararapes EGM, s.d p. 151-302. 16,5 x 11 cm. ilus. col. Editor Edson Guedes de Moraes. Inclui poetas brasileiros e de outras nacionalidades. Edição artesanal, tiragem limitada.
Ex. bibl. Antonio Miranda
A UMAS SAUDADES
Saudades de meu bem, que noite e dia
a alma atormentais. Se é vosso intento
acabares-me a vida com tormento,
mais lisonja será que tirania.
Mas quando me matar vossa porfia,
de morrer tenho tal contentamento,
que em me matando vosso sentimento,
me há-de ressuscitar minha alegria.
Porém matai-me embora, que pretendo
satisfazer com mortes repetidas
o que à beleza sua estou devendo.
vidas me dai para tirar-me vidas,
que ao grande gosto com que as for perdendo,
serão todas as mortes bem devidas.
À MORTE DE UMA DAMA
Sombras de um claro sol que me abrasava.
Cinzas de um doce fogo aonde ardia,
Ruínas de uma boca em que vivia,
Cadáver de uma vida que adorava.
Quem te trocou, senhora? O tempo estava
A teus pés, em teu rosto o sol nascia,
De tua vista se compunha o dia,
De tua ausência a noite se formava.
Pois como pôde o tempo pressuroso,
O dia breve, a noite fugitiva
Mudar um corpo e rosto tão fermoso?
Mas tanto sol e luz, tão excessiva
Ardendo de contínuo, era forçoso
Trocar-se em cinza morta a flama viva.
À VARIEDADE DO MUNDO
Este nasce, outro morre, acolá soa
Um ribeiro que corre, aqui suave,
Um rouxinol se queixa brando e grave,
Um leão c´o rugido a morte atroa.
Aqui corre uma fera, acolá voa
C´o grãozinho na boca a ninho ua ave,
Um demba o edifício, outro ergue a trave
Um caça, outro pesca, outro enferoa.
Um nas armas se alista, outro as pendura
Ao soberbo Ministro aquele adora,
Outro segue do Paço a sombra amada.
Este muda de amor, aquele atura,
Do bem, de que um se alegra, o outro chora...
Oh mundo, oh sombra, oh zombaria, oh nada!
Página publicada em agosto de 2010. ampliada em dezembro de 2019. |