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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

AMÉRICO TEIXEIRA MOREIRA

 

 

Américo Teixeira Moreira, de 53 anos, é natural de Armamar, no Alto Douro. Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, lecciona a disciplina de Português na Escola Secundária de Vila das Aves. Com cerca de uma dezena de livros publicados, Américo Moreira escreve poesia, tendo sido premiado por duas vezes – em 1992, recebeu o Prémio Antero de Quental pelo livro “Visões de Bruma” e, em 1995, recebeu o Prémio Fernando Namora pelo livro “Deambulações e Viagens”.  

 

 

MOREIRA, Américo TeixeiraCírculo de luz.  Coimbra: Minervaoimbra, 2010.  79 p.  14x23 cm. 

 

IBÉRICA

 

Náufrago, regresso

à vertigem da descida

cantando a canção do mar

na luz melódica do vento.

Caio, outra vez, devagar

sobre o silêncio exausto

com que sempre me olhas

no fim do Verão.

 

A noite aflora numa

sonata anónima. Nos teus lábios

há uma busca, uma melodia

prometida ao último mar

que brama na península inteira.

 

Regresso às ruínas do desencanto

 

sem registo de coisas ardentes

ou marés incessantes.

 

 

— Então porquê esta viagem?

 

Despedimo-nos, nas rugas desse mar

sem margens, livre aventureiro

correndo para o infinito.

De súbito um vulcão, uma teia de veludo

um voo rasante e a cabeça nas nuvens

e o corpo nos teus braços,

— porque nos cumes das fragas,

o tempo regressa embalado por sinfonias

estridente beleza de um luar estendido

longo desfiladeiro de um mar cantante.

 

Sim, porque aqui o tempo não

se mede pelo relógio, mas pelo ritmo

dos dias sem fronteiras do insondável.

 

Regresso aos biógrafos mágicos

escondidos nas falésias da vida

ao poema perdido.

— Ainda estás a tempo de recuperar

as ruínas da alma -, dizes, como quem aponta

as rotas do futuro, embora saibas

que é já da auréola do passado

tudo o que ainda nos inspira.

 

Não sou mais que um cais

de partidas, uma solidão sitiada

um mar de memórias e versos

a voz sagrada do coração iludido.

 

 

MOREIRA, Américo TeixeiraO Desafio das estações.  Porto: Uniarte Gráfica, 2014.  79 p.           13x20  cm. 

 

 

Viajo.

Vou de barco

no crescimento das ondas                    

num bailado ziguezagueante

de águas aveludadas.

Solto-me na surdez do sol

queimando corpos de mulheres

que correm junto à margem

engolfadas na espuma marítima.

Há uma chama a dissolver-se no mar

um deserto para sentir

o que nunca foi, um destino inscrito

na eternidade a reinventar a vida.

Sob os meus olhos em delírio

passam todas as estradas

subindo as escarpas

das sensações cavernosas, um sabor

analgésico boiando sob os picos silvestres.

Viajo.

Vou-me apropriando do universo

das belezas extasiadas.

Meu deus, a vida é uma valsa

a percorrer os trilhos breves dos desejos!

Uma orgia brotando das narinas

uma vertigem na folhagem

descendo dos céus

como um elipse para vencer o tempo!

 

De

ORGANIZAÇÃO DO CÁOS

Porto,  1985 

 

 

COMO SE FOSSE UM PUNHAL DOCE

 

Foi quando senti a tua nudez mais perto

que um cais aqueceu o meu corpo.

Foi quando tentei cantar teus olhos perdidos

que a imensidão da tua boca se fechou.

Foi quando louco e escorraçado do teu barco

que as águas do oceano vieram percorrer

com violência o silêncio da tua partida.

Foi quando vindo do infinito da tua pele inundada

que as minhas verdades se desmoronaram

e dissidentes se perderam no equilíbrio

da tua recusa em seres um pântano.

Foi quando no meio de um matagal de vozes

a minha se exasperou na fervura de tantos olhares.

Foi quando os fragmentos de um mundo irónico e

doente de sonho matou de morte o prazer das veias.

Foi quando uma tarde perdida no tempo a

inconstância quis correr mais forte e viscosa,

secreta de raiva, ainda mais sofrida de fogo

que a frescura da razão caiu em mim calada

e triste, o absoluto da solidão me trespassou

como se fosse um punhal doce.

 

  

 

De

VISÕES DE BRUMA

Prémio “Antero de Quental” – Concurso Literário Açoes – 86

Secretaria Regional da Educação e Cultura

 

 

CANÇÃO PARA UMA RAPARIGA DA HORTA

 

Pede o ritmo lento do milhafre a

resvalar sobre o corpo, a loucura

em viagem no frémito dos lábios a

dor, o fogo e o mar no silêncio escuro.

 

Pede o eco labiríntico das águas

e não digas nada, o vento dói

ao dizer que te espero como nunca

junto ao rumo das gaivotas solitárias.

 

Pede a fúria das pálpebras bebidas

na vaga tela oculta no farol

a desembocar no infinito embriagado.

 

Pede a duna atlântica no pensamento

barco perdido no percurso da bruma

a soprar forte na carne de espuma.

 

 

 

De

LABIRINTOS, DA METAMORFOSE

 

 

Podemos dizer coisas enternecidas

diálogos de silêncios fugidios

frases quebradas na cumplicidade

de um tempo em fuga – imensa ternura

que nada brilhará mais no amor

que a voz inesgotável do corpo.

As palavras envelheceram no fingimento

- ácida angústia dos amantes

azul longo ardendo nas bocas

revelar ausência total do corpo.

Gesto da vida.

Chama de sangue.

Leve magia, submerso desejo

quando um frágil vazio

nos vem dizer pausa imensa.

 

 

 

 

De

DEAMBULAÇÕES & VIAGENS

 

 

Quase me esqueço de viver o rasto de sol

ainda luxuriante na sua passagem voluptuosa

de água e fogo ondulantes. Breve, cálida felicidade,

sempre fascinante numa procura convulsa.

Exausto e simples o meu olhar

alonga-se até à voz obscura do horizonte

onde nasce a vontade de renovar

o longínquo sonho inacessível

ou uma boca friccionando o desejo

de apagar a música arquitectada

na bruma matinal.

Apesar da distância com que olhamos o destino

há sempre um ímpeto no silêncio do tempo

um eco aflito de saudade face ao corpo

que era novo e sobra hoje recordações.

Antes ainda sonhamos fogueiras azuis

na enorme alegria de estar vivo.

 

 

 

 

De

AMBÍGUO MODO

 

 

De outra maneira verei a noite nos teus olhos

 

De outra maneira verei a noite nos teus olhos

testemunha oferecida às múltiplas alvoradas

de tudo o que o meu corpo aqui desejou

alucinação partilhada no sono dos deuses.

 

Ao longe nada se perderá da tua densa harmonia

naufragada no cansaço profundo do louco clímax

engrenagem desenhada no calor dos meus braços

a seguir a foz do cais alagado de paixão.

 

Ficará a exactidão do oculto olhar o destino

misterioso exílio do corpo disputado à nostalgia

insondável segredo fixo ao chão incandescente.

 

Gota de água no esquecimento do teu nome insuportável

quando o vazio já nada responda ao desejo da sede

no respirar o espaço recuperado na memória.

 

 

 

De

VÉRTICE DA SOMBRA

 

 

Na hora de partir, a minha alma é um desfiladeiro

por onde passa a trémula madrugada

um ruidoso mar, o duro e frio adeus

de todos os que zarpam de Angra

para o Mindelo. Loucos talvez, mas hão-de

cumprir o cântico da alegria restaurada

dentro das muralhas da invicta e leal cidade.

Numa ultima alegria enevoada e serena

súbito, arremesso os olhos contra

os contornos tépidos da Terceira

e o seu silêncio de calcário é um incêndio

tão próximo e tão distante!

Nesse instante, somos o grito

de todos os medos, a proa do navio

onde viajam o destino e a vontade

o sonho e a esperança,

como uma lanterna de contrastes.

Quando nasce a noite no limite da terra

uma sólida aliança cresce entre os homens

e as ondas. Nem o cansaço nos impede

de lentamente buscar a memória

doutro destino para a rota da luz.

Para além de tudo, é uma força calada

que, alegre como um sonho chegado

não se sabe de onde, nos lança na praia

e assim, como tudo que é livre e tem limites,

também nós seguimos a solidão

saciando de distâncias o mar

e de brisa o coração apertado.

 

 

 

De

SECRETO(S) CÍRCULO(S)

 

 

Sou filho das fragas e dos ventos insubmissos

no meu espaço beirão respira a trégua e a fadiga

há muros que guardam as distancias imóveis

no ritmo lento da montanha perdida no vazio

 

pernoita de luz liberta, posse e desejo inesperado

assim é o suave odor da minha terra enamorada

quando as noites estivais se iluminam de pirilampos

e as ralas espalham tangidas melodias no íntimo

 

sossego flutuante de sonhos e mistérios musgosos.

Tudo parece flamejar no fulgor nostálgico da sombra.

Sou um bocado perdido dessa paisagem inacabada

 

um agricultor ziguezagueante por olivais e vinhas

disperso em pomares, sonolenta fábula, o estio

labirinto enigmático das azenhas renascidas do mosto.

 

E tudo vibra e se mistura na lonjura

espalha-se o estalar da urze pela terra informe

no limite ardente do barro a cheirar a mosto

polpa de vida nas grutas do silencio povoado

 

pousio de lobos, as serras nostálgicas do tempo

acordam no enleio do vento sobre a flor da luz

lenta canção, o móvel gorjeio dos pássaros parados

no vazio ardente em que se gastam as pedras.

 

Destino ansioso, volúpia soerguida em êxtase o fruto

insondável segredo, guardadas cinzas de sonhos

as terras beirãs onde os corvos transcendem a glória

 

das Trindades reacendendo a elegia palpitante da terra

em harmoniosa doçura dilatada na cúpula sorvente do silêncio

em que o fulgor da lua se transforma para a noite florir. 

 

 

 

De

POR DETRÁS DE TEUS OLHOS

 

 

Procuro-te em todas as proas dos barcos sem destino

como se fosses uma floresta cheia de música viva.

 

(…)

 

É no silêncio dos teus olhos que recupero o odor

dos frutos maduros à espera do Outono.

E voltam as lembranças da tonalidade da luz

quando as primeiras chuvas alongam o cio

num pulsar preso ao tempo de incertezas.

 

(…)

 

Sei que me escutas na decifração rítmica do tempo

porque nenhuma verdade é sagrada,

a verdade é sempre outra, a mais distante

a mais calada e tranquila de uma voz inteira.

Estou perdido na secreta cedência das cigarras

habitando a paliçada da fantasia onde os lobos

vêm beber as águas desvairadas de um deus sequioso.

Só então soltas o cântico dissimulado das muralhas

dos teus olhos em oração. 

 

 

De

ENIGMÁTICO FOGO

 

 

Dizem

há várias frentes

numa voz dorida.

O fogo avança

esse rumor extenuado

desfolha a cor

o aroma da vida.

A boca cala-se

rústico gesto

o coração fraterno

do povo exacto

molhando as labaredas.

Há-de lamber os prados

os pastores solitários

os vales verdejantes

e as fontes assombradas.

 

 (…)

 

Nas arestas da luz

venci a recusa

do teu rosto.

Nos olhos ficam

as rupturas

raízes polidas

fraterna água

ânfora vibrátil

quando a sede

avança secreta

e solitária escorre

sem pesadelos.

(Digo)

submersa serra incansável

entre o colorido da luz

e uma ausência

adormecida na cálida

serenidade desta

sublimação perturbadora.

No limbo se abre

um novo instante

uma voz errante

incontrolável beleza

a desabrochar

do chão enegrecido.

 

 

 

INÉDITO

 

O Corpo Restituído

 

E ninguém saberá onde toco

quando os meus dedos súbitos

cantam no meio de uma aranha

ameaçada, a receber a feliz oferta

de um exercício silencioso.

Serás consumida como uma fértil

rosa encrespada sobre as minhas nádegas

entorpecidamente duras e o tépido

contorno das tuas coxas projectadas

de encontro ao instinto selvagem

que assim morre vivo

deliciosamente exausto como uma

pétala delicada no recolhimento

das pálpebras ensonadas.

Tudo, meu amor, está nas nossas mãos:

esta harpa tranquila e delicada

estranhamente desnudada pelo êxtase dos dedos

em busca de uma laranja posicionada

para ser repartida nos

seus gomos sumarentos de fantasia.

Vacilante e mordente cais dissipada como

se fosses um estalido,

um sopro adormecido pela minha baba

opiária. Então amorosamente beijo

o teu sexo desvairado na simbologia

da passagem do sagrado para o profano

de uma identidade, de um novo caminho.

Assim renascidos da vertigem dessacralizada

seremos a transumância dos amantes primitivos.

 

 



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