GLAUCO MATTOSO
Pedro José Ferreira da Silva, conhecido como Glauco Mattoso, nasceu em São Paulo em 1951. O pseudônimo Glauco Mattoso vem da palavra glaucoma, causa de sua deficiência visual há muitos anos. Mattoso seria uma referência ao poeta satírico barroco Gregório de Mattoso, seu alterego poético.
Cursou biblioteconomia (na Escola de Sociologia e Política de São
Paulo) e letras vernáculas (na USP), ainda nos anos 70 participou, entre os chamados "poetas marginais", da resistência cultural à ditadura militar, época em que, residindo temporariamente no Rio, editou o fanzine poético-panfletário JORNAL DOBRABIL (trocadilho com o JORNAL DO BRASIL e com o formato dobrável do folheto satírico) e começou a colaborar em diversos órgãos da imprensa alternativa, como LAMPIÃO (tablóide gay) e PASQUIM (tablóide humorístico), além de periódicos literários como o SUPLEMENTO DA TRIBUNA e as revistas ESCRITA, INÉDITOS e FICÇÃO.
Durante a década de 80 e o início dos 90 continuou militando no
periodismo contracultural, desde a HQ (gibis CHICLETE COM BANANA,
TRALHA, MIL PERIGOS) até a música (revistas SOMTRÊS, TOP ROCK), além de colaborar na grande imprensa (crítica literária no JORNAL DA TARDE, ensaios na STATUS e na AROUND), e publicou vários volumes de poesia e prosa.
Livros de poesia: Línguas de papa (1982); Memórias de um pueteiro (1982); Limeiriques & outros dediques glauquianos (1982); Centopéia – sonetos nojentos & quejandos (1999); Paulicéia ilhada – sonetos tópicos (1999); Geléia de rococó – sonetos barrocos (1999);Panacéia – sonetos colaterais (2000).
Mattoso retoma a antropofagia do ponto em que Oswald parou. E, ainda, acrescenta um dado novo. Aquele nos explica: "Já que a nossa cultura (individual & coletiva) seria uma devoração alheia, bem que podia haver uma nova devoração dos detritos ou dejetos dessa digestão. Uma reciclagem ou recuperação daquilo que já foi consumido e assimilado". O dado novo: devorar os resíduos, aquilo que ficou à margem, em outras palavras, aquilo que a tradição moderna brasileira não aproveitou. Proposta que Mattoso, singularmente, chamou de coprofagia.
FRANKLIN ALVES
“Glauco Mattoso é um herdeiro da poesia fescenina (a lírica licenciosa da Antiguidade latina), das cantigas de escárnio e maldizer (que remontam ao trovadorismo português), da poesia erótica do barroco brasileiro Gregório de Matos e do sonetista português du Bocage (1765-1805); transforma perversão, pornografia e auto-humilhação msoquista (leia-se se “Soneto de Natal”) em denúncia anárquica da “merda comunitária cosmopolita” — como no “Manifesto Coprofágico”, cuja epígrafe é uma “licença poética” com o nome do poeta espanhol Federico García Lorca...”
Manuel da Costa Pinto
Página oficial do autor: http://glaucomattoso.sites.uol.com.br/
Leia também o ensaio: GLAUCO MATTOSO E A “ESTÉTICA DO PÉ SUJO” EM MANUAL DO PODÓLATRA AMADOR, por Ana Paula Aparecida Caixeta e Wilton Barroso Filho
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
Veja também: POESIA ERÓTICA
Glauco Mattoso é um artista único na poesia brasileira contemporânea. Satírico, irreverente, libidinoso, em sonetos libertinos, malcriados, insolentes, hereges. Ele mesmo alimenta sua fama de terrible, proclamando-se maldito, podófilo, escatológico. Deve incomodar muita gente. É possível compará-lo ao Gregório de Mattos, o Boca do Inferno, mas os tempos são outros, outros são os valores, hoje mais amorais, embora igualmente imorais.
A editora paulista Annablume lançou uma Série Mattosina entre 2007 e 2009. Tenho os volumes que vão até o número 7, edições muito bem cuidadas, como são as do selo Demônio Negro, responsável por alguns dos mais belos exemplos de nossa bibliografia poética, própria para os bibliófilos. Embora a série dedicada ao poeta cego — Glaucco vem de glaucoma... — seja das mais simples tipograficamente, é digna de admiração. Foram de apenas 500 exemplares a
tiragem dos títulos lançados.
A poesia de Glauco Mattoso é assim: a gente gosta ou não gosta. É fora de série, um sonetista virtuoso, estilo direto, sem retórica, longe dos adjetivos inúteis, salvo quando são para ridiculizar e caricaturar seus personagens. Um dos personagens é o próprio Glauco. No livro Cinco Ciclos e Meio Século, em que comemora os 50 anos de vida, reservou a parte final para uma espécie de auto-
biografia em versos, começando em 1951 e terminando em 2000. Escolhemos os dois primeiros sonetos e os dois últimos. Começa pela infância e termina revelando
sua afeição pelo companheiro Akira.
|
MATTOSO, Glauco. Geléia de Rococó. São Paulo: Edições Ciência do Acidente, 1999. S.p. 14x21 cm. ISBN 85-87515-02-0 . “ Glauco Mattoso “ Ex. bibl. Antonio Miranda
SONETO 274 PACIFICISTA [GR ]
Apelos pela paz são comoventes:
Parece até que toda a raça humana
ou quase toda, unânime, se irmana
na firme oposição aos combatentes.
Campanhas e cruzadas e correntes
envolvem muita mídia e muita grana,
mas nada se compara à força insana
do génio armamentista em poucas mentes.
Pombinhas, flores, nada disso importa
na hora da parada militar,
se acharmos que o perigo bate à porta.
A fim de protegermos nosso lar,
deixamos que haja tanta gente morta,
mas não aqui: só lá, noutro lugar.
Glauco Mattoso
Cinco ciclos e meio século.
São Paulo: Annablume Editorial, 2009.
118 p. (Col. Dix Editorial) Série Mattosiana 7. 119 p.
SONETO REMONTANDO A 1951
Minha cronologia principia
no dia de São Pedro. De glaucoma
já nasço portador, mas, nesse dia,
só querem que se beba e que se coma...
Sou neto de italianos, e a mania
é dar diminutivos: no idioma
de Dante, sou Pierin. Me oferecia
um brinde o bisavô, que vinho toma...
Pierin, ou Piergiuseppe, dura pouco.
Já sou Pedro-José. O ouvido mouco
não é, mas um dos olhos já pifava...
Na foto, faço gestos algo obscenos,
unindo dois dedinhos: já pequenos,
mostravam a revolta: "Vão à fava!"
SONETO REMONTANDO A 1952
Não lembro, mas disseram que precoce
eu fui para falar. Como não há
registro em gravação, resta que esboce
algum palpite a raiva que me dá".
"Nenê tá puto!" (pausa para a tosse)
"Pude! Toma no eu! Gugu! Dada!"
E assim, antes que minha voz engrosse,
já digo aonde quero que alguém vá...
Falei bastante coisa, mas a minha
mamãe só recordava uma abobrinha
ou outra, como aquela expressão brava...
Agora que ela é morta, ninguém pode
dizer que um bebê, quando alguém se fode,
risada dá, gostosa como eu dava...
****
SONETO REMONTANDO A 1999
Me veio sem aviso: após o gozo
noturno, entre uma insônia e um pesadelo,
percebo que a memória é poderoso
recurso e que preciso conhecê-lo...
Sucedem-se os sonetos: volumoso
parece ser o veio... Em breve, o selo
Ciência do Acidente dum Mattoso
febril publica a praga, o berro, o apelo:
Entre uma "Centopéia" e uma "Geléia
de rococó", completa "Paulisséia
ilhada" a trilogia que hei criado...
Começa a nova fase, que não finda
nos mil, nem nos dois mil, pois muito ainda
virá calar quem quis me ver calado...
SONETO REMONTANDO A 2000
Publico "Panacéia" e já preparo
um disco só de letra musicada —
Mas algo em minha vida fica claro:
sozinho, tanto verso vale nada...
Poetas querem musa, que, não raro,
seria a própria esposa, a própria amada,
alguém com quem conviva e que ele, avaro,
possua para si e jamais se evada...
Um cego só teria tal parceiro
se fosse mago, bruxo ou feiticeiro,
ou tenha, dos espíritos, a ajuda...
Parece ser o caso, pois, mal vira
o século, um nissei chamado Akira
me chega, feito um anjo, e a vida muda...
|
SONETO 951 NATAL
Nasci glaucomattoso, não poeta.
Poeta me tornei pela revolta
que contra o mundo a língua suja solta
e a vida como báratro interpreta.
Bastardo como bardo, minha meta
jamais foi ao guru servir de escolta
nem crer que do Messias venha a volta,
mas sim invectivar tudo o que veta.
Compenso o que no abuso se me impôs
(pedal humilhação) com meu fetiche,
lambendo, por debaixo, os pés do algoz.
Mas não compenso, nem que o gozo esguinche,
masoca, esta cegueira, e meus pornôs
poemas de Bocage são pastiche.
(de As mil e uma línguas)
SONETO INGLÓRIO (RECRIANDO O
SONETO 192 DE PETRARCA) 1073
Revejo, a sós comigo, o meu fracasso,
que pela lei do Além tive por pena.
Amarga-me o sabor, e me envenena,
das trevas, às quais tantos versos faço.
Artífice me torno, e meu espaço
não passa do soneto, embora a pena
dedique-se ao louvor de quem tem plena
visão e me espezinhe a cada passo.
Folhagens verdes, flores coloridas
destinam-se aos que podem, rindo, vê-las:
aqueles cujos pés, num par de Adidas,
passeiam-me na língua, enquanto pelas
surradas solas sejam as lambidas
mais ávidas que um olho a ver estrelas.
(de As mil e uma línguas)
SONETO 541 CONTRARIADO
[CC]
Por ser o cedo tarde e o tarde cedo;
por ser tarde a manhã e a noite dia;
por ser gostosa a dor, triste a alegria;
por serem ódio amor, coragem medo;
Se o plágio é mais invento que arremedo;
se exprime mais virtude o que vicia;
se nada vale tudo que valia;
se todos já conhecem o segredo;
Por ser duplipensar barroco a língua;
por menos ter aquele que mais quer;
se a falta excede e tanto abunda a míngua;
Por nunca estar o nexo onde estiver,
desdigo o que falei e a vida xingo-a
de morte, se a cegueira é luz qualquer.
(De Poesia digesta 1974-2004)
|
POÉTICA NA POLÍTCA
CEM SONETOS PLANFLETÁRIOS
São Paulo: Geração Editorial, 2004.
ISBN 857509109-3
Glauco Mattoso sempre nos surpreende com novos títulos em sua carreira de polígrafo. Poética da Política é de 2004 mas o autor nos envio nesta semana e merece o registro. A capa é emblemática: O Congresso Nacional encimado por uma figura da commedia dell´arte, como a indicar o sentido jocoso, de cantiga de escárnio e mal-dizer . Glauco é sempre agudo, contundente e, no caso presente, compartilha com seu olhar iluminado e perverso os sortilégios e malefícios de nossa política em sonetos de feição clássica e linguagem moderna. A identificação dos personagens poderia trazer para o autor alguns problemas mas, diante de tantos escândalos, o testemunho de Glauco acaba sendo considerado uma licença poética... Aliás, a poesia de crítica e denúncia foi sempre mesmo explítica — lembremo-nos de Gregório de Mattoso, seu ancestral redivivo, que sofreu um duro exílio. Homens público devem estar sujeitos à avaliação popular e ao escárnio quando cometem seus crimes, mas parecem mais inclinados aos discursos protocolares e às crônicas sociais”. ANTONIO MIRANDA, Brasília, 22/6/2007
Governamental
Tamanho nepotismo se constata
nos quadros do governo, que, bem breve,
nenhum parente vivo fora deve
ficar da mordomia e da mamata!
o genro, a nora, a sogra mais ingrata,
cunhados e sobrinhos, quem se atreve
a demiti-los, mesmo quando em greve
declaram-se ou trabalham sem gravata?
Nenhum apaniguado que se preza
aceita cargo abaixo de chefia,
cartilha em que a família toda reza.
Se alguém a falcatrua denuncia,
chamado é de "invejoso", pois lhe pesa
a culpa de ocupar vaga da tia.
Regimental
Trancada a pauta, nada mais se vota,
enquanto novo acordo não costura
comadre com compadre e não se jura
que vale uma palavra mais que a nota.
Da noite para o dia, ninguém nota
o pacto que, na véspera, fervura
causara no Congresso, e a sinecura
retoma o ramerrão e cobra a cota.
Só serve um regimento a quem protela
"devidas providências" ou apressa
"medidas de interesse" da panela.
Se explodem as denúncias, interessa
mostrar serviço e investigar quem zela,
mas sendo alguém da Casa, o caso cessa.
-------------------------------------------------------------------------------------------------
OUTROS POEMAS
*
Terrorismo com torresmo,
Represália a alho e óleo,
Militante à milanesa,
E tortilha de guerrilha.
Ciranda, cirandinho,
Vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia volta,
Volta e meia vamos dar.
Molho pardo de massacre de combate,
Passeata com cassata de mandato,
Gabinetes com tortura ao molho tártaro,
Putsch com ketchup, croquetes de seqüestro.
Salada mista extremista com vinho de Greves,
Trincheiras trinchadas com ilegumes partidos,
Regimes e Dietas à la Magna Carta.
Magna
Che te fa fene!
Valentim, tim, tim,
Valentim, meu bem,
Quem tiver inveja
Faça assim também.
*
O melhor poema não é o des-
classisficado pela crítica, nem
o proibido pela censura, nem
tampouco o desconhecido pelo
público. O melhor poema é o
repudiado pelo autor.
*
“Qual poeta é mais vanguardista,
aquelle que pega um poema
em portuguez e tira todas as
vogaes ou aquelle que pega um
poema em allemão e tira todas
as consoantes? Pra mim é a-
quelle que pegas essas vogaes
e consoantes e tira um poema
que não pode ser lido em português nem em alemão”.
Soneto 49
Versátil
A crítica que tenho recebido
é quanto ao tema, não quanto ao formato:
"O Glauco trata só de pé e sapato,
ainda que use o molde mais subido."
Respondo antes de tudo por Cupido:
comigo ele jamais teve contato.
Além do mais, não vou deixar barato
que assunto algum me seja proibido.
Sou cego mas eclético, e versejo
acerca de problemas tão diversos
que nem forró, barroco e sertanejo.
De grandes e pequenos universos
é feito o pé que cheiro, beijo e vejo:
A Ele presto conta dos meus versos.
Soneto 73
Obsessivo
O gosto pelo pé ficou mais forte
depois que as trevas foram preenchendo
o fundo do meu olho, neste horrendo
martírio, mais agônico que a morte.
Agora nem desejo a mesma sorte
que alguns outros mortais prosseguem tendo
de conviver a dois, e só me entendo
servindo a qualquer sola de suporte.
Só penso nisso, em sonho ou acordado.
Masturbo-me na tímida ilusão
de amanhecer debaixo dum solado.
Aquele que em rosto dá o pisão
é sempre um tipo mal-acostumado,
e nunca a projeção duma paixão.
Soneto 26
Lírico
Dizem que o amor é cego e a carne é fraca,
mas só amei alguém quando enxergava.
Hoje a cegueira queima como lava
e o coração resiste a qualquer faca.
Ontem tesão, agora sóressaca.
Foi-se a paixão que fez minh'alma escrava.
Se inda me queixo dessa zica brava,
sou caçoado e passo por babaca.
Nem tudo está perdido: resta o cheiro
que invade-me as narinas quando passo
na porta do vizinho sapateiro.
Vá lá: o papel que faço é de palhaço.
O olfato é meu recurso derradeiro
e o cheiro do fetiche o único laço.
MANIFESTO COPROFÁGICO
Mierda que te quiero mierda
Garcia Loca
a merda na latrina
daquele bar de esquina
tem cheiro de batina
de botina
de rotina
de oficina gasolina sabatina
e serpentina
bosta com vitamina
cocô com cocaína
merda de mordomia de propina
de hemorróida e purpurina
merda de gente fina
da rua francisca miquelina
da vila leopoldina
de Teresina de santa Catarina
e da argentina
merda comunitária cosmopolita e clandestina
merda métrica palindrômica alexandrina
ó merda com teu mar de urina
com teu céu de fedentina
tu és meu continente terra fecunda onde germina
minha independência minha indisciplina
és avessa foste cagada da vagina
da américa latina
(do Jornal Dobrabil)
=========================
QUEM AMA NÃO
VAI PRA CAMA
Se amo não deito
Se deito não trepo
Se trepo me estrepo
Amor é conceito
Se faço no leito
Não caio no laço
Amor é cabaço
Amor é conceito
Amor é perfeito
Quem dorme não peca
Amor é soneca
Amor é conceito
Amor não tem jeito
Amor é distância
Amor é infância
Amor é conceito
SONETO EFÊMERO
Meninos, eu vi tudo que queria
com olhos que essa terra há de comer.
Vi pés de todo tipo, até perder
de vista o que me dava essa alegria.
Já cego, minha língua suja lia
em Braile a sola onde eu ia lamber;
a mesma terra ali vim a comer
enquanto a molecada toda ria.
Se somos pó e ao pó retornaremos,
andei meio caminho já na vida.
Até o cosmo é poeira, hoje sabemos.
No tênis dum moleque uma lambida
é mais que tudo aquilo que já lemos,
lembrança que jamais será esquecida.
SONETO MARGINAL
Assim como o menor abandonado
converte-se bem cedo no infrator,
também na poesia há muito autor
rebelde só porque ficou de lado.
Os jovens querem dar o seu recado
do modo mais avesso e transgressor,
até chegar num ponto em que o louvor
consagra todo o coro amotinado.
O fato é que o legítimo indigente
é quem fica isolado na conversa
enquanto as outras partes fazem frente.
Me sinto assim. A turma já dispersa
ao ver que meu assunto é o pé, somente.
O tema é marginal, e vice-versa.
MATTOSO, Glauco. Pegadas noturnas. (Dissonetos barroquistas). Rio de Janeiro: Lamparina editora, 2004. 215 p. 14x21 cm. IBSN 85-98271-02-0 Col. A.M.
Ensaístico [241]
Chamemo-la de fase iconoclasta,
à minha poesia antes de cego.
Pintei, bordei. Porém não a renego.
Forçou-me a invalidez a dar um basta.
A nova não é casta, nem contrasta
com velhas anarquias. Só me entrego
ao pé, onde em soneto a língua esfrego.
Chamemo-la de fase podorasta.
Mas nem por isso é menos transgressiva.
Impõe-se um paradoxo na medida
da forma e da temática obsessiva:
Na universalidade presumida,
igualo-me a Bocage, Botto e Piva.
Ao cego, o feio é belo, e a dor é vida.
MATTOSO, Glauco. Sonetos de Boccagem. São Paulo: Lumme Editor, 2013. 292 p. 13x16 cm. ISBN 978-85-8234-015-8 Col. A.M.
“Para o brasilianista Steven Butterman, que estudou a obra mattosiana em sua these de doutorado e analysa o poeta como herdeiro do cânone fescennino. “Mattoso picks up where Bocage left off”.” (fragmento da contracapa)
CAFONICE PHONOGRAPHICA
"Ver você com outro alguém
me fará morrer de dor!
Sem você não sou ninguém,
meu amor, sem seu calor..."
Coisa e tal, e nhenhenhem...
É dífficil de suppor
que tal lettra ainda tem,
para alguém, algum valor!
"Vem, amor, commigo, vem!
Vem commigo, vem, meu bem!",
canta o mau compositor.
Ao compor assim, porem,
dos limites vae alem
quem tomar no eu não for.
ERECÇÃO HOSPITALAR
Si um micróbio nos infecta,
o remédio é "tarja preta".
Medicar-me ha lei que veta
caso o accesso me accommetta!
Quer tirar o eu da recta
o meu medico! E diz peta
quem prohibe e quem decreta
que é maléfica a punheta!
Pathologica si for
a punheta, vou suppor
que foder faz mal, mais mal!
Si assim "sesse", que "foria"
de quem goza todo dia
numa cama de hospital?
MATTOSO, Glauco. Poesia Digesta (1974-2004). São Paulo: Landy Editora, 2004. 229 p. (Coleção alguidar) “ Glauco Mattoso “ Ex. bibl. Antonio Miranda
SONETO 274 PACIFISTA (GR)
Apelos pela paz são comoventes:
Parece até que toda a raça humana
ou quase toda, unânime, se irmana
na firme oposição aos combatentes.
Campanhas e cruzadas e correntes
envolvem muita mídia e muita grana,
mas nada se compara à força insana
do génio armamentista em poucas mentes.
Pombinhas, flores, nada disso importa
na hora da parada militar,
se acharmos que o perigo bate à porta.
A fim de protegermos nosso lar,
deixamos que haja tanta gente morta,
mas não aqui: só lá, noutro lugar.
TEXTOS EN ESPAÑOL
GLAUCO MATTOSO
Glauco Mattoso (Pedro José Ferreira da Silva) nació en São Paulo en 1952. Quedó ciego después de los cuarenta años, debido a un glaucoma congênito. Há traducido al português poesía de Borges. Publicó las revistas Dobrabil y Dedo mingo. Y los libros: línguas na papa (1982), Memórias de un pueteiro (1982), O calvário dos carecas: história do trote estudantil (1985), Manual do pedólatra
amador: aventuras & leituras de um tarado por pés (1986), limeiriques & outros debiques glauquianos (1989), la historieta Glaucomix, o pedólatra (1990), Dicionarinho do palavrão & correlatos, inglês-português, português-inglês (2ª Ed. 1991), Y la trilogia compuesta por: Centopéia. Sonetos nojentos & quejandos, Paulisséia Ilhada. Sonetos tópicos y Geléia de Rococó. Sonetos barrocos (todos en 1999). Es productor de bandas de rock.
Poemas traducidos por Mario Cámara y Luciana di Leone,
Sonetos traducidos por Cristian De Nápoli
*
Terrorismo con turrón
Represalia ai "alho e oleo"*
Militante a la milanesa
y tortilla de guerrilla.
Ciranda**, cirandita,
vamos todos a cirandar;
vamos a dar media vuelta,
vuelta y media vamos a dar.
Salsa parda de masacre de combate,
caminata con casata de mandato,
salas de tortura a la salsa tártara,
putsch con ketchup, croquetas de secuestro.
El anillo que me diste
era vidrio y se quebró;
el amor que me tenías
era poco y se acabó.
Ensalada mixta extremista con vino de Huelgas,
trincheras trinchadas con ilegumbres*** partidos
Comicio con comino, caudillo de vainilla.
Regímenes y Dietas a la Magna Carta,
Magna
Che te fa bene.
Valentín, tim, tim,
Valentín, mi bien,
quien tuviera envidia
que haga así también.
1 Al ajo y al aceite.
2 Danza de calle infantil, de origen portugués.
3 En portugués ilegumes es un juego de palabras entre ilegal y verduras. Se refiere a la prohibición de la vida política durante la dictadura que gobernó Brasil entre 1964 y 1984.
*
EI mejor poema no es el des-
calificado por la crítica, ni
el prohibido por la censura,
ni tampoco el desconocido por
el público. EI mejor poema es el
repudiado por el autor.
*
"?Qué poeta es más vanguardista,
aquel que toma un poema
en portugués y saca todas las
vocales o aquel que toma un
poema en alemán y saca todas
las consonantes? Para mí es
quien toma vocales y consonantes y saca un poema
que no puede ser leído ni en portugués ni en alemán."
Soneto 49
Versátil
Las críticas que siempre he recibido
son todas sobre el tema, no el formato:
"Mattoso habla de pies o de zapatos
aunque siga un modelo enaltecido ".
Respondo en primer término a Cupido
(y aclaro: con él no tuve trato).
Por lo demás, si hay orden no la acato:
no hay tema para mí que esté prohibido.
Soy ciego pero ecléctico, y compongo
acerca de problemas tan diversos
que ni la cumbia, el samba o el barroco.
De grandes y pequeños universos
está hecho el pie que huelo, beso y toco:
sólo a Él le rindo cuenta de mis versos.
Soneto 73
Obsessivo
La inclinación al pie se hizo más fuerte
cuando la oscuridad acabó siendo
la base de mis ojos en horrendo
martirio más agudo que la muerte.
Yá no puedo desear la misma suerte
que otros mortales tienen de momento
de convivir de a dos. Yo apenas cuento
sirviendo a cualquier suela de soporte.
No pienso en otra cosa, hasta palmado
me hago la paja en tímida ilusión
de amanecer debajo de un calzado.
Aquel que en pleno rostro el pisotón
ofrece es siempre un tipo malcriado,
nunca la proyección de una pasión.
Soneto 26
Lírico
De Amor dicen "es ciego”': carne, "es torpe ".
Yo sólo pude amar cuando miraba.
Hoy la ceguera quema como lava
y el corazón resiste cualquier golpe.
Tesón de ayer, resaca de esta noche.
Se fue el amor que tuvo a mi alma esclava
Y si suelto esta pena que me acaba
se burlan y me tratan de fantoche.
No todo está perdido: algo olfateo,
algo entra en mis narinas cuando paso
por la puerta del viejo zapatero.
A ver... ¿qué papel hago? De payaso.
Mi olfato, mi recurso postrimero
y el tufo del fetiche, único lazo.
=========================
Extraídos da revista tsé=tsé n. 7/8
Buenos Aires, Argentina, otoño 2000
{traducciones de R.J. y Aníbal Cristobo,
revisadas por G.M. y Jorge Schwartz.]
QUIEN AMA NO
VA PARA LA CAMA
Si amo no me acuesto
Si me acuesto no cojo
Si cojo me jodo
Amor es concepto
Si hago en el lecho
No caigo en el lazo
Amor es virgen
Amor es concepto
Amor es perfecto
Quien duerme no peca
Amor es siesta
Amor es concepto
Amor no tiene caso
Amor es distancia
Amor es infancia
Amor es concepto
SONETO EFÍMERO
Muchachos, yo ví todo lo que quería
con ojos que esta tierra ha de comer.
Vi pies de todo tipo, hasta perder
de vista lo que me daba esa alegría.
Ya ciego, mi lengua sucia leía
en Braille la suela adonde iba a lamer;
la misma tierra allí vine a comer
mientra el piberío todo reía.
Sí somos polvo y al polvo retornaremos,
anduve ya medio camino en la vida.
Es polvareda el cosmos: hoy sabemos.
En la zapatilla de un pibe una lamida
es más que todo aquello ya leído,
recuerdo que jamás será olvidado.
SONETO MARGINAL
Así como el menor abandonado
se convierte temprano en infractor,
también en la poesía hay mucho autor
sólo rebelde porque quedó a un lado.
Los jóvenes quieren pasar su recado
del modo más avieso y transgresor,
hasta llegar a un punto en que el aplauso
consagra a todo el coro amotinado.
El hecho es que el legítimo indigente
es quien queda aislado en la conversa
mientras las otras partes hacen frente.
Me siento así. El grupo se dispersa
al ver que mi tema es el pie, solamente.
El tema es marginal, y viceversa.
Página ampliada e republicada em dezembro de 2008; ampliada novamente em janeiro de 2009; ampliada e republicada em janeiro de 2011.
|